É hora de jantar e eu estou sentada sozinha no refeitório, as pernas flectidas uma sobre a outra. Estou com o fato do bloco, velho e remendado, que só na Anatomia de Grey é que os fatos são novos e bonitos. Aqui reciclamos (e bem, que o país está em crise). A primeira vez que ele me falou estava sentada nesta mesa, exactamente assim. Ele perguntou-me o que fazia eu ali sozinha, o prato vazio e os talheres sujos à minha frente. Disse-lhe que esperava um colega nosso que me tinha pedido para não comer sozinho. Ele disse Então tu és aquela que faz companhia! Papel importante no hospital! E sorriu com aquele sorriso aberto e confiante pelo qual, eu não sabia ainda, vir-me-ia a apaixonar perdidamente.
28 dezembro 2010
Hoje ouvi esta música na rádio
... mas uma versão deslavada de Cat Power. Aqui fica o original de Serge Gainsbourg. Superbe. Para o P.
26 dezembro 2010
Tenho em mim tanto de superficial como de profundo e dedico exactamente o mesmo tempo a um que dedico ao outro. Invejo aqueles que optam por um só estilo de vida: superficial ou profundo. É menos confuso e mais coerente. Soubesse eu fazê-lo e faria o mesmo. Ser superficial tem a vantagem de trazer muita felicidade, uma felicidade inquestionável e nunca questionada, mas felicidade não obstante isso. Ser profundo não traz lá muita felicidade, mas traz estatuto e, convenhamos, é mais interessante e dá mais frutos. Já se ouviu falar nalgum poeta, escritor, dramaturgo, cantor de alto gabarito superficial? Não, claro que não. O problema é que, quando se é ambas as coisas, não se é nem uma coisa nem outra. Andamos às voltas com dúvidas, questões de vida e de morte, sentimentos contraditórios e amores descabidos, só para interrompermos os nossos belos pensamentos para nos lembrarmos de repente que falta comprar pão. E depois ainda somos capazes de demorar 30 minutos a decidir a qualidade do pão que vamos comprar. Não se chega a escrever o poema que estava mesmo na ponta da língua e qualquer pensamento profundo é rapidamente escoado pelo elevador abaixo a caminho do supermercado. Ser superficial e profundo ainda tem a desvantagem de confundir os outros e, nos piores casos, de os insultar. Suponhamos que estamos a ouvir e até a participar numa conversa profunda com alguém. É alguém que tem consideração por nós e nos julga profundos, ou não estaria a ter aquela conversa connosco. Neste cenário, haverá alguma coisa mais embaraçante do que a meio das lágrimas, do tom sério e do sobrolho franzido, soltar-se uma gargalhada ou acrescentar algo tremendamente superficial como Espero que amanhã esteja bom tempo. Não, pois não, e é um problema. Pessoas no hospital que parecem nunca se questionar olham para mim como aquela que é complicada e profunda. Por outro lado, amigos ou conhecidos meus profundos não compreendem a minha necessidade e dedicação a assuntos superficiais. E a verdade é que não me consigo concentrar no profundo tempo suficiente para ser profunda, nem contentar-me com o superficial, ao mesmo tempo que assuntos superficiais me comovem por vezes tanto que sou capaz de chorar por coisas tão ridículas como um poema tontinho escrito para mim pelo meu pai no dia de Natal . E assuntos sérios como a fome no mundo são-me tantas vezes, com um encolher de ombros, indiferentes. Como seria bom ter a inteligência e a persistência para ser profunda ou a simplicidade necessária para ser superficial e feliz. É que assim, a sério, não há paciência.
22 dezembro 2010
Às vezes, na falta do que fazer, fico na dúvida sobre quem sou. O conhecimento que carrego não sei quando nem onde o aprendi, nem sei dizer se é correcto. O nome pelo qual respondo parece-me sibilante e artificial. Os meus olhos no espelho olham outros olhos que não são os meus. De mim fica só a boca, igual à da minha irmã, da minha mãe e do meu avô, os meus pés feios e com calos e aquele sinalzinho castanho, com relevo, imediatamente à esquerda do umbigo. Fica, ainda, esta minha vontade constante de dormir e os poemas de Augusto Gil que em miúda recitava de cor. Ao meu lado, alguém por mim, com a minha boca e o meu sinal, os meus pés feios escondidos dentro de sapatos bonitos, fala com os colegas do trabalho sobre coisas importantes. E eu baixinho... Saira Santo António do Convento, a dar o seu passeio costumado. E a decorar, num tom rezado e lento, um cândido sermão sobre o pecado...
20 dezembro 2010
19 dezembro 2010
Domingo em casa a escrever artigos. Que merda. Isso e o aquecimento não funcionar. A casa gelada e ele longe. De que vale ter as unhas pintadas de vermelho, se estou enrolada neste cobertor velho, de fato-de-treino e pantufas. Mais pareço o boneco de neve de gorro sentado à minha frente. A sorrir para mim. Estúpido.
10 dezembro 2010
Para quem gostou da curta-metragem Hotel Chevalier, surge agora (admito que já tenha sido há um tempo, que pode ir desde a uns dias a vários anos) uma série com o irresistivelmente cómico Jason Schwartzman. Os diálogos estão geniais e os actores são fantásticos. Muito bom. Curiosamente, passa na MTV... Sem comentários.
Recentemente vistos
Des Hommes et des Dieux, de Xavier Beauvois. Ganhou o Grande Prémio do Júri do Festival de Cannes deste ano e concorre para os óscares na categoria de melhor filme estrangeiro. Cinco estrelas. Foi tal o impacto em mim, que quando saí do cinema, não sabia bem onde estava. Muito bonito fisicamente, muito bem interpretado e realizado. Faz pensar.Fresa y Chocolate, de Tomás Gutiérrez Alea. Filme cubano de 1993. Produzido com o apoio de Espanha e do México e realizado com o apoio, na fase final do filme, do realizador Juan Carlos Tabio (por doença do T. Gutiérrez Alea). Um filme sobre amizade, tolerância e uma realidade cubana fácil de amar e detestar ao mesmo tempo. Gostei muito, talvez por lá ter estado recentemente.
08 dezembro 2010
Uma dor de já não ser adolescente chegou essa manhã. Começou na garganta e foi descendo pela barriga até se instalar definitivamente no umbigo. Hoje estou aqui para ficar, disse a dor. Ela abanou-se, contorceu-se, riu-se, mas a dor não se mexeu e continuou a doer. Doeu não poder nunca mais dar o seu primeiro beijo, as suas primeiras carícias. Doeu não ser virgem. Doeu já ter tido vários parceiros. Doeu ter escolhido tratar de pessoas doentes. Doeu uma gota de sangue já não a fazer desmaiar. Doeu já não ser a primeira da turma. Doeu não estar sozinha à mesa com os pais e a irmã, só os quatro. Doeu não brincar às bonecas e não viver num mundo
imaginário e mágico. Doeu nunca mais se ter sentido especial, nem bonita sequer.
Cuba - non oficial mini guide
Ora, vamos começar pelo princípio. Apesar de se tratar de um país comunista, com relações cortadas com basicamente o mundo inteiro menos a China, não deixar os próprios habitantes sair do país, etc., sim, apesar disto, é preciso visto para ir a Cuba. Por isso o melhor é começarem por aí. É que o visto demora oito dias úteis a ser entregue e a mulher do embaixador não passa vistos de pijama a um domingo de manhã a toda a gente. Felizmente, passou para nós. Mas tivemos de dormir com ela.
Bom, sigamos para a escolha da companhia aérea. Se acham que não existem companhias aéreas low cost que façam viagens de longa distância, é porque se esqueceram da Air Europa. O serviço não é mau, mas lembrem-se de comer que nem uns animais antes de embarcarem, porque o bolinho que nos servem durante as oito horas de viagem e o stock de comida disponível para comprar são indiscutivelmente insuficientes. Já agora, se tiverem mais de um metro e sessenta, esqueçam.
Adiante. Antes do vôo e depois do visto, convém reservar a primeira noite. A melhor opção em Cuba, desde Viñales a Baracoa, é ficar numa das milhares de casas particulares reconhecidas pelo estado e que obedecem invariavelmente à regra dos três bs: bonitas, boas e baratas. Situadas em casa coloniais são, de resto como qualquer guia vos dirá, excepto talvez o American Express, o local ideal para mergulhar na realidade cubana e viajar até ao século XIX ao mesmo tempo. Nós ficámos em casa do Fábio e do Eugénio (já se vê que a filha do Raúl anda a fazer um bom trabalho) e a partir daí a nossa vida tornou-se muito mais fácil, com eles a marcarem todas as restantes noites por nós, porque, sim, em Cuba, todos têm um amigo ou um primo altamente recomendável e que gostam de ajudar. Para quem só se lembre de marcar a primeira noite na véspera da viajar, recomendamos que o faça por telefone, já que poucos cubanos têm email e os poucos que o têm passam o cabo dos trabalhos para o consultar e consequentemente só o fazem cerca de uma vez por semana. Portanto, marcada a primeira noite, as outras ficam facilmente resolvidas.
No primeiro dia em Havana, por mais desapercebidos que se possam sentir, irão ser sempre detectados e abordados por vários guias que vos proporão visitas à cidade a preços imbatíveis. Esqueçam. Havana Vieja vê-se bem a pé e sozinho. Tudo o que é interessante está literalmente ao lado umas coisas das outras e, claro, cachapado nos nossos próprios guias. Não me perguntem porquê, mas no segundo dia já ninguém vem ter convosco.
Durante os primeiros dias em Havana passeámos sem destino pela cidade antiga, apenas partilhando da vida vibrante dos cubanos e dos mojitos servidos por toda a parte. De dia, o sol brilha sobre as praças, os edifícios, as pessoas. E a noite pinta Havana de um encanto especial, não só porque deixa asas à imaginação para restaurar com os olhos todos aqueles edifícios em tempos gloriosos, mas também porque a luz escassa e aralanjada confere um cenário romântico difícil de encontrar noutro lugar. Ao longo do Malecon grupos de amigos, casais, guitarras e garrafas de rum alegram a cidade entristecida por anos de desleixo e repressão. A Casa da Música canta e dança pela noite dentro e nós cantamos e dançamos também e conhecemos cubanos e conversamos e queremos ser mais e viver mais desta cidade irresistível e cheia de contrastes. Mas acabamos por apanhar um autocarro da Via Azul e vamos até Viñales, uma reserva natural reconhecida pela Unesco, a oeste da vila, onde nos deparamos com uma beleza de cortar a respiração e enchemos os nossos corações durante três dias a passear por entre os mogotes e pelas grutas de bicicleta, a pé e a cavalo.
Um pequeno alerta para quem quiser andar de bicicleta. Sabem aqueles calções ridículos com uma almofada no rabo? Exacto, esses. Convém levar. A idade de ficar com o rabinho assado já lá vai e, se quiserem usar a bicicleta sem estarem permanentemente de pé, tragam lá os calções, até porque as bicicletas não têm mudanças, são pesadas e puxam por nós. E antes de alugarem a bicicleta, certifiquem-se que está tudo em ordem para que não caiam na primeira curva que encontrem, corrente e pedais atirados para lados opostos da estrada, como aconteceu a nós. Sem comentários. Em Viñales convém ainda: 1) dormir na vila de Viñales e não em Pinar del Rio 2) não esquecer de ir um final de tarde até ao Hotel Jasmines, no alto de um monte junto à vila, com uma vista sensacional do parque natural e facilmente alcançável por táxi 3) passear pela vila, que é pequena e deliciosa, os cães famintos e coxos, as pessoas muito pobres mas especialmente simpáticas e jantar no Paladar Dago.
À zona este da ilha decidimos ir de carro. As estradas são boas e estão razoavelmente indicadas, sendo preferível, contudo, devido à deficiente iluminação, conduzir durante o dia, não vá uma vaca lembrar-se de se atravessar no vosso caminho. Até porque as vacas, como tudo o resto em Cuba, pertencem ao estado e matar uma dá 10 anos de prisão, o que seria um disparate, quando há maneiras bem melhores de visitar Guantanamo (estou a brincar! Como sabem, a não ser que sejam muçulmanos e andem a berrar que querem pegar fogo ao Empire State Building, não vão tão cedo ver esse cantinho de Cuba). Visitámos de passagem Cienfuegos e dormimos em Trinidad. A quem tenha tempo, recomendamos que vá até Baracoa, que dizem ser uma região muito bonita. Gostámos de Trinidad, das galerias de arte, do pôr do sol no morro junto à capela, da mistura de cores das casas. Mas os aldeãos são muito pobres, desconfiados e fomos logo aldrabados no primeiro dia com aquela cena já conhecida: Ah, a casa onde vão ficar explodiu e eu conheço um sítio melhor, mas que na altura não sei porquê não pareceu tão óbvio. Isso mais uma praga de mosquitos fez com que tivéssemos ficado um pouco desiludidos e cansados e foi com esse espírito que seguimos até ao Cayo de Santa Maria, a norte da ilha, onde ninguém nos enganou, é certo, mas que acabou por se tornar a altura mais aborrecida da nossa viagem. Os resorts em Cuba funcionam todos com o regime tudo incluído, mas a nós fez-nos falta a simpatia e a beleza das casas coloniais e das famílias cubanas, com pequenos-almoços generosos e um mundo à volta para descobrir. Por isso, se no primeiro dia no Cayo de Santa Maria, comemos e bebemos a nosso belo prazer, no segundo dia estávamos já fartos e rumámos de volta a Havana que, por esta altura da viagem, já começava a saber a casa.
De novo em Havana fizemos o passeio de arquitectura do Lonely Planet, inteligentemente, à noite, enquanto nos dirigíamos para o Paladar la Guarida, como iríamos em breve descobrir, provavelmente o melhor restaurante do mundo. Por entre as sombras e as ruas mal iluminadas, lá conseguimos ver os edifícios art deco e ficámos contentes. Ao mesmo tempo, fomos conhecendo a noite cubana das ruas e das ruelas, metendo conversa aqui e ali. O Paladar La Guarida, onde foi filmado o primeiro filme gay cubano, é recomendado por todos os guias e, de facto, é maravilhoso. Comam de tudo, olhem para tudo, bebem tudo. Ah, sim, e levem dinheiro, porque, apesar de não ser caro, se de facto experimentarem de tudo, acaba por vos custar cerca de 40 CUCs por pessoa e penso que eles não deixam ir embora toda a gente a quem falta uns CUCs para pagar a totalidade da factura. A nós, felizmente, deixaram. Mas para aumentar a fama de caluteiros dos tugas já bastamos nós. Contamos convosco para mudar isso.
Ah, sim, pormenor importante, falta aqui falar do dinheiro. Em Cuba os turistas usam uma moeda, o CUC (peso cubano convertível), praticamente igual em quase tudo ao peso cubano, excepto no valor (1CUC=25pesos cubanos). É uma confusão e dá vontade de trocar na rua de uma forma ilegal CUCs por pesos cubanos, mas esta artimanha acaba por ser difícil, para além de que os pesos cubanos vindos dos turistas muitas vezes não são aceites e a pessoa acaba por se habituar, até porque nada é especialmente caro em Cuba, pelo menos por enquanto. Só é possível levantar cerca de 300 CUCs por dia e por cartão. Se o fizerem pelas máquinas multibanco, a comissão é muito menor do que aquela que é cobrada ao balcão nas casas de câmbio (CADECAs) ou pelo pagamento com o cartão de crédito (11% de comissão nos últimos dois casos). Se for para levantar dinheiro nas caixas de multibanco, convém que seja de dia e que esta esteja anexada a um banco (as tais CADECAs) onde possam reclamar caso a caixa coma o vosso cartão. Ah, e não se esqueçam de ficar com 25 CUCs por pessoa para pagar o imposto, caso queiram sair do país.
14 novembro 2010
10 novembro 2010
Morreu uma doente esta noite. No hospital morrem doentes todas as noites. O que é que isso tem a ver comigo? Aquela filha que me abraça e chora a morte da mãe. O sofrimento dela não é o meu. Porque é que ela me abraça? Agradece-me tudo o que fizemos. Eu lembro-me de discutirmos a doente na reunião da manhã de ontem. O caso era desesperado. E porque na vida real não existe um Dr. House dado a milagres, não se encontrou solução. Não fizemos nada por ela. E agora a filha ali a abraçar-me e a chorar e ainda me agradece. Ela é a tua mãe, não a minha. Não quero chorar por uma mãe que não é a minha. Chora tu. Vai-te embora. Não me abraces, não me agradeças. Quero esquecer que a tua mãe existiu e que a deixei morrer. Morrem doentes todas as noites.
05 novembro 2010
01 novembro 2010
28 outubro 2010
Ela caminha sobre o muro, a mão dela na minha. À saída da escola eu tinha-lhe dito que lhe ia mostrar um segredo. Não obstante o seu entusiasmo em descobrir o segredo, pelo caminho distrai-se com tudo: as formigas no muro, o avião que passa por cima das nossas cabeças, o pai que põe o miúdo no carro. Demoramos uma eternidade, mas lá chegamos ao nosso destino e, quando o fazemos, o segredo era afinal só uma casa bonita com um jardim bonito. Fico a olhar para ela, à espera de uma reacção de desilusão, mas ela acena afirmativamente e com solenidade. Gosta do segredo. Posso sentar-me e ficar a ver, tia? Digo-lhe que sim e passados apenas alguns instantes já toda a sua atenção recai sobre os homens que estão a cortar a relva. Tia, o que é que eles estão a fazer? A cortar e a limpar a relva. Porquê? Para ficar mais bonita. Porquê? Para os meninos poderem brincar sobre a relva e as senhoras idosas se poderem sentar nos banquinhos do jardim e olhar e ver como está bonita a relva. Ah. E como funciona a máquina? O senhor jardineiro empurra a máquina e a máquina tem uma tesoura que vai cortando e um aspirador que vai limpando. Ah. E se o senhor jardineiro não empurrar a máquina, ela não funciona? Não. Tia? Sim? Podemos ficar aqui mais um bocadinho a ver o senhor jardineiro? Não vais sentir saudades do papá e da mamã? Não, eles podem esperar. Tia? Sim? Depois do Inverno vem a Primavera, e nessa altura vai estar quente e então podemos ir todos acampar: a mamã, o papá, a avó, o avô, a mana, o mano, o carpinteiro e a bianca? Podemos. Vai ser divertido, não vai? Sim. E o jardineiro, também queres que vá? Sim, o jardineiro também pode ir, mas só vai se ele quiser ir, se ele não quiser ir, não vai. Amanhã perguntamos-lhe. Olho bem para ela, ainda tem restos do iogurte no canto direito da boca. Gosto daquele bocadinho de iogurte, porque foi o iogurte que ela comeu à pressa assim que me viu chegar à porta da sala de aula. E depois de repente, do nada, uma pressa estúpida, uma pressa de adulto sempre com pressa para coisa nenhuma, toma conta de mim. Pego nela como se fosse um saco de batatas e vamos embora, deixando para trás quilos e quilos de relva cortada.
21 outubro 2010
A Sofia Patinhas é uma aranha que se alojou na minha casa-de-banho há cerca de três semanas. De cada vez que se acende a luz, ela foge para dentro de um espaço que fica entre a ombreira da porta e a parede. Às escuras, volta para o seu cantinho delimitado pela banheira à esquerda, a porta à direita e o chão em baixo. A minha empregada vem todas as semanas e todas as semanas arrasa sem sequer reparar nisso a teia da minha aranha. Gosto do raio da aranha e gosto de a chamar de minha aranha, não obstante o choque inicial da primeira vez que a vi grande e preta a olhar para mim assustada. Nunca tinha pensado nisso até agora, mas parece-me uma ideal genial. Aranha como animal de estimação. Claramente o único que eu alguma vez na vida vou conseguir manter.
17 outubro 2010
Recentemente em Sintra...
Mark Kozelek, mais velho, mais gordo, igualmente deprimido. Mas nele uma guitarra continua a soar como se fossem três e a arrepiar quem o ouve e a música é poesia. Não diz olá, agradece num susurro, chama atrasado mental ao tipo das luzes e vai-se embora sem se despedir. Mas, bolas, a um artista destes, tudo se desculpa. Uma hora e meia de sonho. À boleia, ainda ouvimos Joan as Police Woman e Foge Foge Bandido que estiveram, também, muito bem. Um sábado em Sintra para guardar numa gaveta especial da memória.
Não podes desistir tão facilmente, diz-me ele. Não por isto. Podes dizer: estás a ser estúpido, pára lá com isso. Mas, se os teus sentimentos forem verdadeiros, não podes pôr tudo em causa por uma merda destas. Estou confusa, passei a noite em branco, mas sei que houve uma altura em que eu não desistia assim. Uma altura em que eu nem sabia que era possível desistir. A impulsividade que me é tão característica levava-me a comprar viagens em cima da hora, a pegar no carro e conduzir 300 quilómetros só para ver alguém de quem gostava, a comprar uma prenda cara sem hesitar. Mas nunca a desistir. No instante em que aprendi a desistir, nunca mais soube ficar. Fico até alguém ter dúvidas, até uma discussão, até uma bebedeira, até um momento estranho na conversa. Depois desisto, com a mesma facilidade e determinação, tenha passado um mês ou um ano. Olho para ele. Está tudo lá: o nó na garganta, a magia a fazer amor, rirmos juntos, a admiração, o carinho, o cinema, a música, as viagens, a sinceridade, a transparência, a vontade de deixar o hospital por uns anos, a incapacidade para o fazer, o gosto no que fazemos, a maneira como o fazemos, a relação com os doentes, a relação com a família, o sorriso, o corpo, as mãos, eu ao colo dele, ele dentro de mim. Olho para ele. Could you be the one for who I care? Não escolhemos a nossa família, namorados vêm e vão, os amigos ficam às vezes, e a família fica sempre. É assim que eu quero pensar e olhar para ele. Aprender, passados estes anos todos, a não desistir. A não ser mais um namorado que não vai resultar. A ser como família para mim. A million nights have led to this one that we are spending. And I know it's better here than anywhere I've been going, with every morning grew a void more wide and endless. Tudo vai e vem. Eu quero aprender a ficar. Com ele.
15 outubro 2010
A cinza incandescente do cigarro cai sobre o meu braço. Fico a olhar para aquele bocadinho de chama, até que a pele começa a derreter e eu começo a chorar. Olho para cima e ela repara, finalmente, em mim. Apercebe-se do que aconteceu e, ainda com o cigarro na mão, sacode a cinza, molha a zona lesada com cuspo e dá um beijinho por cima. Pronto, já passou. Trinta anos depois aqui estou eu. Tenho a cicatriz no local onde a cinza caiu e estou de pé por detrás do portão verde da minha antiga escola primária. Instintivamente, o meu olhar procura por ela. Queria ouvir-lhe a voz, saber como ela pensava, que tipo de mulher era que eu gostava tanto em miúda. Mas ela já morreu há muitos anos, restam-me algumas recordações de criança e uma cara séria numa foto e quem vem ter comigo é uma senhora dos seus 40 anos, cabelo curto pintado de cor de cortiça, uma bata que cobre tudo do pescoço aos tornozelos e sob a qual saem dois braços e duas pernas gordas, simpáticas. Fico a olhar para ela. Não digo nada. Espera aí, diz ela, eu conheço esta carinha. Ora pois, se não é a Sofia! Que linda e elegante estás tu! Lembras-te aqui da Berta? Lembro-me dela, pois. Não deixes a porta aberta, Berta! gritavam os miúdos todos. Não devia ter mais de 20 anos naquela altura e eu já a achava velha. Uma dia fiz cocó nas calças de fato-de-treino. A minha mãe tinha dito que fazer cocó era o tipo de coisas que se faziam em casa, por isso aguentei, aguentei, até não aguentar mais. Sentei-me junto ao portão verde a chorar, sem saber o que fazer, certa que fazer cocó não era certamente o tipo de coisas que se faziam nas calças. A Berta reparou em mim e em três tempos estava lavada e com umas calças de fato-de-treino novas, tiradas de um grande caixote vermelho que dizia PERDIDOS e ACHADOS. Não te preocupes, aqui a Berta não conta a ninguém. Quando se partilha a nossa infância com um adulto, sabemos que ele sabe tantos pormenores íntimos sobre nós, que se torna constrangedor. Digo que sim, que me lembro dela e baixo a cabeça, envergonhada. Vim buscar a minha sobrinha, deve estar na sala dos três anos. Vou até lá com ela. Trinta miúdos de meio metro de altura correm e berram pela sala. A minha sobrinha é a única que está sentada à mesa, muito séria, a comer um iogurte. Repara logo em mim. Não diz nada, não sorri, não chora, não faz caretas, não se mexe. Fica só a olhar fixamente para mim, até que eu vou para o pé dela, passo-lhe a mão pelos cabelos e digo: Sabes que a tia também andou nesta escola? Ela começa finalmente a mexer, sorri e abraça-me com um beijo molhado na face. Dou-lhe o resto do iogurte e, no final, ela corre para ir buscar o casaco e a mochila que estão pendurados num cabide mínimo na parede sobre o nome dela. Vamos ter com a mamã, o papá, os manos? pergunta-me. Mamã, papá, mana e mano, acrescenta, 1,2,3,4!
13 outubro 2010
Top 5 das coisas que NÃO acontecem no E.R.- Serviço de Urgência, nem em qualquer outra série sobre hospitais, excepto talvez no Scrubs.
1) Preencher requisições. 2) Deitar as requisições fora e preencher outras requisições, porque as primeiras não eram as certas. 3) Lutar por vagas para se internar um doente nos cuidados intensivos. 4) Implorar por vagas para se internar um doente nos cuidados intensivos. 5) As senhoras do RX irem todas, ao mesmo tempo, almoçar.
09 outubro 2010
Quando marcou as ferias, a ideia de passar uma semana em Filadelfia, o fim-de-semana em Nova Iorque e a semana seguinte em Londres pareceu-lhe fantastica. E, de facto, correu tudo bem ate aterrar em Londres, adormecer durante 19 horas e faltar ao primeiro dia de curso. Dividiu rapidamente os 500 euros que tinha custado o curso pelos quatro dias... Bom, 125 ja tinham ido a vida. E se o chefe descobrisse, perder 125 euros ainda era o melhor que lhe podia acontecer dentro do cenario geral... Talvez ele nao descobrisse. Talvez ela fosse transparente e ninguem reparasse se ela ia ou nao. E, contente com este ultimo pensamento, passeou sozinha e transparente pelas ruas de Londres.
05 outubro 2010
30 setembro 2010
Deitaram-se nas espreguiçadeiras semi-molhadas, mesmo assim, de pijama, e ficaram a olhar para os arranha-céus de Filadélfia. Bonita vista. Um pouco acima das suas cabeças, nuvens espessas e quentes passavam apressadas, dando uma agradável sensação de tontura a quem as olhasse de baixo. O iPod que ela lhe oferecera nos anos tocava na mesa entre eles uma colectânea de música francesa. De cada lado do iPod dois copos de vinho e a garrafa: Francis Ford Coppola Rosso que ele comprara para ela na véspera. Falaram do trabalho, das suas aspirações e dos seus medos, das suas frustrações. És muito exigente, disse-lhe ela. Tens de aprender a aceitar-te melhor. Recentemente ele tinha feito um estágio em hiperactividade e défice de atenção em adultos e por isso fazia amiúde esse diagnóstico: nela, nele, no amigo que visitariam no dia seguinte. Talvez se fizer ritalina… Ela encolheu os ombros resignada.
No centro de Filadélfia há uma zona assinalada com um arco-íris por debaixo do nome das ruas. Foi lá que eles foram a seguir. Depois de alguma hesitação, todos os bares pareciam estar vazios àquela hora, acabaram por entrar num onde decorria um show de karoke. O cenário com o qual se depararam parecia a versão gay do Fame. Assistiram divertidos àquelas divas a cantar e a dançar, convencidos de que teriam ali reunidos boa parte dos alunos da escola de dança da zona. Havia três raparigas lésbicas no bar, que deram baile às divas, cantando e dançando no palco com entusiasmo. Depois apareceram mais raparigas e rapazes, que começaram a dançar e a beijar-se uns aos outros, indiscriminadamente. Olharam um para o outro, confusos e curiosos sobre quem estaria com quem. Fizeram apostas, que nenhum ganhou, e foram para casa.
No dia seguinte, ela acordou com um telefonema para ir ter com ele ao hospital. A cantina do hospital ficava no 16º piso e de lá a mesma vista bonita sobre Filadélfia da véspera. Comeram coisas que só os americanos podiam ter inventado e que eu me recuso a descrever agora, porque ainda nem tomei o pequeno-almoço. Depois dela ter conhecido os seus colegas preferidos, ele baldou-se ao trabalho e durante o resto da tarde passearam pelos caminhos e cafés que, nos últimos três meses, ele tinha vindo devagarinho a conhecer e a tornar seus.
Nessa noite foram jantar a casa de Ch., um amigo de C.. O apartamento fazia parte de uma antiga fábrica. O pé direito media cerca de 5 metros e umas escadas de ferro em caracol levavam a uma mezzanine onde ficava o quarto. Cá em baixo estendiam-se uma sala de estar, um mesa de jantar, a mesa de trabalho e uma pequena área dedicada a discos LP e à aparelhagem. As janelas percorriam toda aquela altura, de alto a baixo, enormes. O ex-dj era agora decorador de interiores. O seu apartamento tinha estado em revistas, como ele dizia com uma pontada de timidez e orgulho. Eles nunca tinham visto nada tão chique e adoraram tudo, desde a conversa, ao jantar, ao vinho, e, claro, ao terraço. Voltaram para casa tarde e sonhadores.
Quando, na manhã seguinte, ela acordou, sentiu aquela ponta de ansiedade a que já se acostumara por acordar sozinha numa casa tão grande e silenciosa. Pensou no P. e a sensação de ansiedade passou. Percorreu o longo caminho até ao Museu de Arte, por entre o calor, a chuva e o vento e aterrou na sala de arte contemporânea, à frente dos Picassos e dos Braques, a ouvir Tori Amos e com o livro de Edward Hopper na mão.
27 setembro 2010
Subiram a rua que sobe da Musgareira para Camarate. Subiram pela estrada, que ali não existem passeios, e só pararam no alto, onde a curva da estrada se dissipa numas casinhas clandestinas. Lá em cima, para lá da cortina de arame farpado, estendem-se ao comprido quilómetros de pistas para serem percorridas por quem sabe voar. Ele explicou-lhe de onde vinham os aviões que aterravam e para que lado levantavam vôo. Explicou-lhe: amanhã partirás dali e daqui a 15 dias virei ver-te a regressar dali, dali mesmo. E, no dia seguinte, ela partiu. A viagem foi uma mistura de sono, pescoço dorido e números primos. Na alfândega sentia-se tão bem e apaixonada que esperou os 45 minutos sem se queixar, ouvindo o álbum dos Morphine e lendo o seu livro. Estava tão relaxada que se sentiu a flutuar por entre as centenas de pessoas que esperavam nas 10 filas da alfândega e não se importou que lhe tivessem passado à frente. No comboio meteu conversa com um padre e à porta da estação, ainda a ler, esperou pelo amigo sem pressa. Ele estava igual, afinal só tinham passado três meses. Abraçou-o com saudade e beijou-lhe a face esquerda. Nessa noite assistiram a um teatro à beira-rio através de uma cortina e puseram a conversa em dia. No dia seguinte, o amigo foi trabalhar e ela correu pelas ruas de Filadélfia, passando por gente, portas e ruas que até então só tinha visto em filmes.
25 setembro 2010
Se ele não tivesse aparecido com o blazer preferido dela, talvez as coisas se tivessem passado de forma diferente. Mas apareceu. Pior, por debaixo do blazer trazia a camisa branca e as jeans gastas a salientar o rabo que ela adorava. Não disse nada. Cruzou a sala, sentou-se no chão encostado ao puff, de frente para a janela e fumou um cigarro. Dias antes ela tinha-lhe pedido de volta a chave de casa e ele tinha deitado a escova de dentes fora. Tinham prometido casar em todas as igrejinhas do país, vezes sem conta e para sempre e depois, um dia, uma semana, aquela semana, as noites passadas em claro, desconfortáveis, dois estranhos. Então as chaves, a escova de dentes. E agora ele ali, com o blazer, a camisa branca e Keith Jarrett a tocar em Köln, ali tão perto.
19 setembro 2010
Para ouvir em repeat
Olá, o meu nome é Sofia e a música que eu ouço em repeat é Morning Theft do Jeff Buckley.
11 setembro 2010
Ontem fomos ao teatro. Já não ia ao teatro há anos e soube-me divinamente bem. O teatro foi o D. Maria II e a peça Um Eléctrico Chamado Desejo. Eu já tinha lido a peça e visto o filme. De facto, não me consigo cansar do Tennessee Williams. Adoro aqueles temas: o triângulo amoroso, as personagens densas e nunca nem boas, nem más, só geralmente muito complexas, tristes e confusas, os diálogos quase palpáveis e toda a trama relacional e familiar, que afinal são os temas mais importantes na vida da maior parte das pessoas. Muito forte, muito bom. E com uma encenação e interpretação tuga fantástica.
No dia em que os meus sobrinhos gémeos nasceram, ofereci à minha sobrinha mais velha uma prenda. Ela olhou para o embrulho desconfiada, franziu o seu sobrolho de 3 anos e concluiu triste: É para os bebés, não é? Durante a tarde quis ajudar os manos, lavando as chuchas centenas de vezes com água e sabão, dando beijinhos nas suas cabecinhas por entre os gritos de preocupação dos pais e cantando junto aos berços todo o seu repertório de músicas, desde o rei barrigudo ao menino em palhinhas deitado. Mas à noite, quando foi para casa e nem pai, nem mãe, nem manos a acompanharam, chorou no colo da avó até adormecer. Só tem 3 anos e já sofreu pela primeira vez a sério. E em silêncio.
29 agosto 2010
27 agosto 2010
No dia em que soube que se tinha apaixonado, tinham ido ver Irène, um filme de Alain Cavalier. Saíram da sala de cinema tão perturbados com o filme, que não disseram uma palavra até chegar ao carro. E depois não conseguiram ir para casa. Em vez disso, sentaram-se no Galeto a beber um copo. Um filme tão intenso não permitia que se continuasse a viver uma vida normal. Não permitia que no dia seguinte se voltasse para o hospital, indiferente. Não, era precisar festejar. A vida, a morte, o amor. Vamos ficar acordados toda a noite! disse ela, disse eu. Quando chegaram a casam fizeram amor e foi ao mesmo tempo tão violento, tão sereno e tão íntimo, que ela voltou a acreditar. No final fizeram promessas de amor e escreveram a sua história juntos no corpo um do outro e a noite não acabou nunca.
25 agosto 2010
19 agosto 2010
O meu pai costumava dizer-me que, se queria ajudar e não incomodar, devia sentar-me numa cadeira. Sempre achei este comentário um pouco ofensivo, mas como sou muito obediente, fazia o que ele me mandava. Agora olho em volta, lembro-me do meu pai, e acabo por me sentar num banco com cerca de 30 cm de altura que está escondido a um canto, abandonado. Sinto-me ridícula, sentada ali, quase ao nível do chão, mas este é o único lugar de toda a sala de bloco em que tenho a certeza de não incomodar ninguém. O cirurgião passa e sacode as mãos molhadas para cima de mim. Fico com a cara com gotas de água e restos de betatine. Crianças a brincar aos médicos, penso. Uma enfermeira pára, então, à minha frente e diz Não pode sair daí? Não vê que está a incomodar?! O meu plano falhou. Saio da sala e vou tomar um café. Odeio este estágio.
18 agosto 2010
O efeito da sangria começa a sentir-se, lembro-me dos morangos no meio do espumante, como estavam saborosos e sexys, e a minha cabeça cambaleia. Por fim, acabo por me encostar ao ombro dele, o pára-arranca do trânsito a embalar-nos. Quando levei a minha sobrinha à praia, tinha ordens expressas da minha irmã para não a deixara adormecer no carro na viagem de regresso. Fiz de tudo, falei com ela, brinquei, cantei, ataquei-a com cócegas, mas os seus olhinhos a revirarem e a cabeça a cair acabaram por triunfar e culminar num sono profundo. A sério que tentei, desculpei-me à minha irmã, enquanto lhe passava a criança adormecida para o colo. Deixa lá, eu sei que e difícil. Agora estou com tanto sono que já nem consigo ter a cabeça no ombro e caio no colo dele, adormecendo instantaneamente. Acordo com um curva da estrada mais arrebitada, mas mantenho os olhos fechados. O meu pai fazia um jogo com os irmãos, de olhos fechados tentavam adivinhar em que parte do caminho iam. A estrada era irregular e sinuosa. O meu pai conhecia a estrada de cor. Recapitulava-a nos sonhos, na escola, em casa. Estava pronto para o jogo, mas assim que fechou os olhos, as curvas tornaram-se enganadoras e troçaram dele. Perdeu o jogo e foi a chacota dos irmãos. Mantenho os olhos fechados e agora tenho a certeza que estou na segunda circular, a passar na bomba de gasolina da bp, a subir o viaduto, mas aí o carro pára e afinal estamos já à porta de casa. Acorda, princesinha. Chegámos.
12 agosto 2010
10 agosto 2010
Inícios são difíceis para mim. Olho para trás e são tantas as contradições que sei que as minhas memórias já não passam de construções. Já não consigo lembrar-me de praticamente nada como verdadeiramente aconteceu. Mas isto dos inícios lembro-me bem. O início no hospital foi muito difícil, o início da condução foi um suplício, o início da faculdade assustador. O início de qualquer relação um desastre. Mas agora estou com menos paciência e cada vez desejo menos inícios. Digo que não, fecho a porta antes que algo interessante entre por aqui adentro. Digo logo, com um sorriso céptico que se usa para as testemunhas de Jeová e para os seus folhetos sobre o amor de Deus, não, obrigada, não estou interessada. Um novo instrumento? Não, obrigada. Uma nova língua, um novo namorado, um novo meio de transporte? Não, obrigada. Não quero aprender mais nada sobre nada e não quero aprender a gostar de alguém. Tento recordar-me, mas não sei, não me lembro, quando é que me tornei assim tão aborrecida, preguiçosa, cansada, como uma velhinha, mas sem a menor sabedoria, sem artroses ou histórias engraçadas para contar e, sobretudo, sem netos.
09 agosto 2010
Just in time
A minha diva reapareceu, após meses de estar perdida no fundo da mala do meu carro, por entre processos do hospital e toalhas de praia e biquinis salgados. Estou DELIRANTE. Em honra a ela, esta vai ser já a próxima música a aprender a tocar no piano.
Nina Simone - Just in Time .mp3 | ||
Found at bee mp3 search engine |
06 agosto 2010
No dia seguinte ainda estou irritada com o jantar da véspera e, quando chego à garagem, lembro-me que estou sem carro, que o fui pôr na oficina na noite anterior. A próxima hora é passada ao telefone com a minha mãe, comigo à procura das chaves do velho Micra e a minha mãe desesperada É sempre a mesma coisa, nunca consegues encontrar nada. Acabo por descobrir que afinal o Micra está em casa da minha irmã e vou até lá de transportes, amaldiçoando o dia e mais uma vez o jantar da véspera. Apesar da confusão, chego ao hospital com apenas meia hora de atraso e quando me estou a vestir para entrar no bloco, dizem-me que o Professor está internado. Nem tenho tempo de me justificar, arranco a touca ridícula e as pantufas à Hobbit e dirigo-me ao piso 3 onde o Professor se encontra deitado, ofegante e me diz Nem imagina, Sofia, estou tão cansado. Sinto-me tão mal de o ver assim, que tenho de me sentar na cama e, por momentos, acho que vou desmaiar, por entre o soro e as malas do Professor. Ele tem pena, sabe que está em falta para comigo por não ter corrigido ainda os meus trabalhos. Digo-lhe que nem se atreva a pensar nisso, quero dizer-lhe para mandar os trabalhos para o $%&/, mas não posso dizer isso, porque o Professor é a pessoa mais gentil e bem educada que eu conheço e não ficaria bem dizer asneiras, sobretudo estando ele assim tão fragilizado. O que o Professor tem de fazer, digo-lhe, é o belo do Tazobac e descansar para se pôr bom o mais depressa possível. Ele sorri e aí lembra-se É verdade, não me quero armar em esperto, mas acho que o Tazobac não está a correr. Eu vou lá, rodo o controlador do conta-gotas e ele acrescenta Como será que agora vou tomar banho com estes fios todos? Mal consegue dizer a frase, fica ofegante a cada palavra que pronuncia e, de novo, sinto-me tão mal, que penso que vou desmaiar. Acabo por sair à pressa do quarto, envergonhada e, vou ver a PCR, que já está a descer. Quando regresso ao bloco, a cirurgia já vai no fim e dizem-me Ah, é verdade, aquela tua doente, da semana passada, lembras-te? Morreu ontem à noite. Fico parada, perplexa. E nesse dia saio mais cedo. Não volto a passar pelo quarto do Professor. Não quero saber do meu chefe que me vê a sair àquela hora do hospital. Pico o dedo. Se me quiserem despedir, estão à vontade.
05 agosto 2010
O sushi não está grande coisa, desculpa-se ele. Não toco no sushi, com o arroz espapaçado que me faz lembrar o arroz de polvo da cantina do hospital do outro dia, mas olho para a manga cortada em fatias por cima da bancada da cozinha e digo Não faz mal, enquanto planeio uma retirada subtil de uma fatia de manga para mais logo. Ando muito cansado, sabes. Pergunto-me a mim própria como pode ele estar cansado se está de férias e passa a vida na praia, em jantares e copos, enquanto eu, que estive as últimas 36h seguidas no hospital, estou aqui fresca que nem uma alface, mas acabo por não dizer nada e espero que ele continue. E, tu, como é? Muitos flirts? Não percebo imediatamente o intuito verdadeiro da pergunta, acho estranho ele estar interessado nos meus flirts, mas quando respondo Não, apenas me envolvi com um colega meu e ele contrapõe, Não te preocupes, eu já vou para cima de meia centena, percebo que de certa forma era ali mesmo que ele queria chegar. De que vale dormir com meia centena de raparigas, se não se puder falar ao desbarato sobre isso? Apesar de tudo, a resposta surte efeito em mim e pergunto incrédula Dormiste com 7 raparigas desde que acabámos?... Oito, responde ele a sorrir e agora percebo que está satisfeito com o rumo da conversa. Encolho os ombros conformada, mas ele continua. Que é uma pessoa que dá muito (eu: 5 minutos de cada vez?!), que muitas ficaram mesmo apaixonadas por ele, apesar de já se terem deitado com 20 tipos aos 20 anos, não, ele certamente não é só mais um na vida delas, que é uma pessoa muito emocional e apaixonada, que a vizinha também queria, pensava ele, não, vendo bem, tinha a certeza, que ela queria dormir com ele, mas ele recusou, porque era a vizinha e como ia ele fazer quando tivesse que passar de mão dada com outra nas escadas?, que a vida agora era difícil com tantos jantares, porque ele gosta de se empenhar e dar muito e por isso fica cansado, que as compras para o sushi de hoje foram feitas com a Mel, chama-se Melanie, mas ele gosta de a chamar de Mel, que o melhor amigo diz que ele é um grande maluco e que o Lux anda espectacular. Começo a ficar nauseada, sem perceber como foi possível ter um relacionamento de 8 meses com alguém que parece um atraso mental e a quem, fisicamente, me custou tanto a adaptar. Pergunto-me de onde pode ter ido ele buscar tanta auto-estima, quando o comum dos mortais se labuta diariamente para não se sentir a pessoa mais miserável do mundo. Depois penso racionalmente que estou revoltada e que, estando revoltada, não vale a pena pensar de todo, por isso fico a olhar para o vazio na direcção da cama, ao que ele pergunta Estás a sentir uma certa nostalgia, não é? Olho, surpreendida, para ele e digo com repugnância Claro que não!, mas quando me lembro que posso ter sido ofensiva, reparo que não há mesmo nada que possa ofender este homem. E, nesta altura, começo com pensamentos horríveis. Quero ofendê-lo, dizer-lhe que só namorei com ele por favor, que não senti nada quando acabámos, que me assutei a primeira vez que o vi nu, o corpo disforme pela paralisia braquial, o tórax em barril, a barriga e, claro, o estrabismo, que nunca me senti apaixonada, que o que precisava na altura era mesmo de um amigo que me salvasse da relação patológica que tu e eu tínhamos vivido recentemente, que conseguisse apagar as memórias tão intensas, boas e más, que eu guardava nossas. Quero dizer que ele nem nunca entendeu nenhuma piada minha, que não consegue dizer duas frases seguidas com sentido, que a conversa com ele foi sempre vazia, que ele nem nunca soube o quanto pensei em ti enquanto namorávamos, as nossas memórias, afinal e uma vez mais, sempre tão presentes. Que estava com ele porque ele me fazia rir, dava-me segurança, era querido e tratava-me bem. Mas, mais uma vez, não digo nada, pelo menos sobre isso. Tens o invólucro de um preservativo ao lado da cama, acabo por reparar. Ah, desculpa, que mal! E eu que até sou um tipo cuidadoso! e sorri. Já sei, que dá muito..., murmuro e encolho os ombros de novo. Quando se diz uma palavra muitas vezes, como sapato, por exemplo, não sentes que perde o significado, pergunto-lhe. Lança um olhar interrogador na minha direcção. Estou a falar do sexo, esclareço. Quando o fazes assim tantas vezes, não sentes que perde o significado? Pergunta idiota para se fazer a um homem, mas eu sem querer já a fiz e agora já não posso fazer nada, se não calar-me e aguardar a resposta dele. Às vezes é um bocadinho cansativo, diz ele, do tipo, ah, lá vou eu outra vez. Por isso tento ficar 3 dias por semana sozinho em casa. Digo que o compreendo, que eu própria estou cansada só de o ouvir falar em todas as pessoas com quem anda a dormir, mas ele não percebe a ironia a replica E ainda nem ouviste nada! Ainda nem te contei nem metade! Sorrio com um sorriso triste. Sinto-me uma merda. Fui o número 42, em nada diferente do número 41 ou do 43. Não mais do que um degrau na escala da contagem da quarta dezena, que se prolongou por mais do que uma noite, apenas porque ele é uma pessoa que dá muito e foi tudo um favor que ele me fez. E penso que, apesar das promessas dele, O próximo sushi vai ficar melhor, vais ver!, e das minha promessas, Tenho a certeza que vamos ficar amigos!, não mais volto a jantar com um ex-namorado megalómano que demora apenas duas horas a destruir dois meses de cuidadosa reabilitação da minha auto-estima.
04 agosto 2010
Debaixo dos lençóis
Em caracteres vermelhos iluminados está escrito o número 86. Uma série de cadeiras vazias alinham-se em frente ao mostrador e, na última fila, encontro-me eu sentada, de pernas cruzadas sobre a cadeira, em posição de meditação. Estou no corredor da farmácia, o único lugar no hospital onde, a partir do final da tarde, posso estar completamente sozinha. O único lugar onde o meu chefe não me encontra. Por isso adoro este corredor. Há 3 anos que me sento aqui, às vezes por 5 minutos apenas. É aqui que eu como os meus chocolates, faço telefonemas e inspecciono a depilação das pernas. Foi aqui que chorei inconsolavelmente quando, há 3 anos atrás, pensei em desistir do hospital. Foi aqui que chorei das múltiplas vezes que acabámos. É aqui que eu rio ao telefone com a A. e ficamos a saber das novidades que cada uma tem para contar à outra. Como um miúdo que se esconde debaixo dos lençóis e, assim, se sente protegido, eu escondo-me neste corredor, alheia ao facto de que, descubro isso hoje..., todos os doentes do quarto 3 do piso 2 me podem ver e, provavelmente ouvir, gratos pelo entretenimento que lhes proporciono, enquanto fazem a sua hemodiálise.
28 julho 2010
A minha relação de amor-ódio com a corrida
Apesar de correr devagar e só meia hora, quando acabo, estou a suar em bica. Nos primeiros minutos depois de ter corrido, nunca me lembro porque é que o fiz e sinto-me de tal maneira a morrer que questiono se alguma vez o farei de novo. Por entre a minha respiração ofegante, vou bebendo uma garrafa inteira de água. Litro e meio. Vai ser uma bela noite, a ir à casa-de-banho de 5 em 5 minutos. Tenho de começar a correr de manhã. Penso em ir tomar banho, mas bebi tanta água e a uma velocidade tão grande, que sinto-me mal disposta e desisto do banho. Acabo por decidir deitar-me no meio do chão e logo se cria uma poça de água debaixo de mim. E fico ali, eu e a minha poça, deitadas à espera de nada. Mais tarde tomarei banho, porei os meus cremes, deitar-me-ei bem cheirosa no sofá a ver um filme e depois irei para a cama, com o Frank McCourt e as suas aventuras do outro lado do oceano. Sentir-me-ei a pessoa mais feliz do mundo e pensarei que ainda bem que corri e que as endorfinas são, de certeza, a melhor droga desde sempre.
25 julho 2010
Tens de perceber porque é que continuas a ir ter com ele, perceber o que te faz sentir mal e pôr ambas as partes a falarem uma com a outra. Agora estás demasiado ansiosa e confusa. Vai à praia, relaxa, mas à noite vais ter de ter uma conversa contigo mesma. Este é o P., o meu amigo mais analítico. É capaz de decompôr qualquer problema nas suas partes infinitesimais e analisá-lo. Mas eu sei que não consigo fazer isso. Já fui à praia, já relaxei e as duas vozes na minha cabeça continuam a não falar uma com a outra. Nem sequer as consigo distinguir no meio da confusão que por aqui vai. A minha mente é um turbilhão de sentimentos, valores herdados pela minha família, sociedade e religião, vivências passadas e os estranhos acontecimentos dos últimos dois meses. Sei que há uma forma muito fácil de resolver esta questão. Posso pôr, simplesmente, tudo na prateleira de cima, aquela onde nunca ninguém vai, e ir à minha vida. Gosto de me perceber melhor do que isso. Mas, como sempre, olho para mim e só vejo caos. E é aí, no rescaldo de toda esta confusão, que acabo por abrir a porta e, tal como tu fizeste, relaxo e deixo entrar a ternura.
21 julho 2010
17 julho 2010
Ele cheira ao perfume que eu tenho vindo a conhecer tão bem nos últimos anos e que me sabe a noite, cigarros, álcool, sexo e praia. O encontro, desta vez, é acidental, algures entre o lounge e o incógnito, na rua inclinada da bica. Mas o início da conversa, esse é sempre igual, já parece ensaiado e eu, pessoalmente, acho-o aborrecido e encontro nessas primeiras palavras que trocamos de cada vez que nos vemos, a chave para nunca ter resultado entre nós:
ELE: Estás feliz?
EU: Sim.
ELE: Estás mesmo?
EU: Sim, estou.
ELE: De certeza?
EU: Estou mesmo feliz.
ELE: ...
EU: ...
ELE: Mesmo?
EU: Mesmo.
ELE: ...
EU: ...
ELE: ...
EU: ...
Sorrisos compassivos de parte a parte até que eu, enjoada com o diálogo à Paulo Coelho, acabo por acrescentar de forma peremptória, de quem não está disposta a trocar nem mais uma palavra sobre esse assunto ou sobre qualquer outro (a conversa nunca foi o nosso forte...). Estou mesmo feliz. Como nunca me senti antes. Estou mesmo bem. Enfantizo os mesmos e o nunca. Geralmente faço isso. São os meus pontos finais a uma conversa que me põe doente e que, por ele, sei eu tão bem, não terminará tão cedo.
Já passámos tantas vezes por isto. Consigo ver a discorrer à minha frente o resto da noite, que, como sempre, e apesar da química entre os nossos corpos, nunca tem um final feliz. Só que desta vez é diferente. Desta vez o filme pára a meio. Porque quando acabo de dizer aquilo tudo da boca para fora, reparo que, desta vez, não menti. Que estou bem, que me sinto mesmo bem. Com ênfase no mesmo. Por isso esta noite páro de beber umas cervejas mais cedo e venho para casa sozinha, a cantar Madame Godard, sentido-me verdadeiramente feliz.
Mesmo. :)
15 julho 2010
08 julho 2010
05 julho 2010
04 julho 2010
As minhas pantufas são sapatinhos pretos de sola, velhinhos mas fashions, da Zara Home. A casa está vazia e os meus passos (os sapatinhos a baterem na madeira, plat, plat, plat...) fazem-me companhia. Sinto-me como a Bjork no Dancer in the Dark, mas como menor talento musical, por isso o barulho dos meus passos, é mesmo só o barulho dos meus passos. Plat, plat, plat. Ando pela casa e fazem-me companhia. Plat, plat, plat.
A seguir ao romances mais frustrantes da história do cinema (como se eu conhecesse a história do cinema), que marcaram de forma incondicional a minha pré-adolescência e em cuja moral da história eu devia ter continuado a acreditar, portanto os romances entre a Scarlet O'Hara e o Rhett Butler e o Salvatore Di Vita e a Elena Mendola, o romance que mais me comoveu era um que, não obstante a excentricidade das suas personagens, de facto, resultava. Este foi o romance entre Sam and Joon no filme Benny and Joon, e porque já era adolescente nesta altura, este foi o estranho modelo que me viria a influenciar nas minhas relações futuras: pessoas esquisitas, situações cómicas, muito carinho e atracção física. Já se passaram 17 anos desde que vi este filme a primeira vez e hoje, quando ao fazer zapping na tv dei de caras com esta história deliciosa, não pude deixar de pensar que, se pudesse escolher, era exactamente assim que eu queria um romance para mim. Se ficava com o papel do Charlot extravagante ou com o papel da doente mental, não sei bem dizer, penso que encaixo bem em ambos. Em todo o caso, acho o resultado do amor entre estes dois simplesmente magnífico.
29 junho 2010
No jardim zoológico
- Então, diz lá à tia, que animal queres ver tu hoje?
- O porco.
- Não, querida, hoje é um dia especial! Podes ver um animal qualquer. Qualquer um que queiras! Girafas, tigres, leões, tartarugas gigantes, macacos... Qual é que queres ver primeiro?
- O porco.
- Mas, querida, o porco vês tu todos os dias no quintal do vizinho, e de graça. E nem ele devia ter um quintal com porcos e toda aquela bicharada em pleno bairro de Lisboa, mas tem e tudo bem, isso é outra história. Mas não há mais nenhum animal que queiras ver?
Ela pensa, e vê-se que está a pensar a sério, com toda a força, os olhos contraídos a ajudarem tanto pensamento. Ao que, passados uns instantes, responde muito séria.
- Galinhas. Quero ver galinhas.
Nunca... mas NUNCA mais trago a minha sobrinha ao jardim zoológico.
27 junho 2010
O que me põe doente
Pessoas que passam mais tempo a dizerem que são espectaculares do que a serem espectaculares.
Adenda ao registo anterior
Não deixar essa mesma criança tocar em ABSOLUTAMENTE nada até à noite, altura de a enfiar dentro do duche e esfregar todo aquele barro corpinho fora.
26 junho 2010
A resgistar
Não pôr protector solar factor 50 numa criança que esteja em directo contacto com os lençóis brancos imaculados da nossa cama. A não ser que se queira brincar aos homens das cavernas e à arte rupestre...
22 junho 2010
21 junho 2010
Estou aqui contigo, acho-te muito gira, não só fisicamente, mas também porque falas sem parar, sempre entusiasmada por tudo. Adorei esta noite, conversar, estar em silêncio, olhar-te, olhares-me, dançar contigo, sentir-te, beijar-te. Encher a casa com música que, a partir de agora, acabará por ser tornar inevitavelmente em mais uma recordação tua. E agora estou aqui, tu ao meu lado, nesta cama onde nenhuma mulher alguma vez se deitou sem que não tenha havido sexo. Quero-te, desejo-te. E nem me importo que não haja sexo, mas odeio-te porque nem sequer deixas que me apaixone por ti.
18 junho 2010
Última página
E assim, mais vale estar aqui, aguardar, e olhar para a colina. É tão bela. Hum... estou dividida. Esta frase é demasiado inocente. E como tudo o que é demasiado inocente, parece ter um lado obscuro assustador. Veremos. Vou arriscar :)
Próxima leitura
Umberto Eco - O pêndulo de Foucault. Pergunto-me se será a leitura mais adequada a esta fase da minha vida... Por outro lado, talvez me ajude a regularizar os hábitos do sono... Bom... pelo sim, pelo não, vou começar por ler a última página. Se encontrar indícios deprimentes, suicídios e coisas que tais, troco de livro...
16 junho 2010
Sabemos que alguém não é para nós
... quando se refere à cover dos Black Eyed Peas da música Misirlou do Dick Dale como a faixa número 10 da aula de spinning...
O que me põe doente
Sair de turno às 23h e apanhar trânsito na segunda circular como se fossem 5 da tarde.
Quando podemos e até queremos, mas dizemos que não
I've been out walking. I don't do too much talking these days, these days. These days I seem to think a lot about the things that I forgot to do and all the times I had the chance to. I've stopped my rambling, I don't do too much gambling these days, these days. These days I seem to think about how all the changes came about my ways. And I wonder if I'll see another highway. I had a lover, I don't think I'll risk another these days, these days. And if I seem to be afraid to live the life that I have made in song, it's just that I've been losing so long. I've stopped my dreaming, I won't do too much scheming these days, these days. These days I sit on corner stones and count the time in quarter tones to ten. Please don't confront me with my failures, I had not forgotten them.
15 junho 2010
Há vantagens no facto de o mundo não ser a preto e branco. Chaves dicotómicas, divisões em mal e bem, heróis e vilões, homens e mulheres, saudável e nefasto... São tudo soluções que facilitariam a nossa vida, em mim necessariamente diminuiriam o meu nível de ansiedade. Mas é bom... poder sentir este nó no estômago e este arrrepio por alguém que sei não ser o homem da minha vida. Algo que eu não posso nem consigo encaixar numa prateleira. Somente um borrão na parede que amanhã já é capaz de nem lá estar.
14 junho 2010
Qualquer estudante de saúde, algures durante o curso, acreditou piamente sofrer de aneurisma da aorta abdominal. Mas essa era a altura em que éramos magros e, por isso, a aorta palpava-se ou via-se mesmo a pulsar barriga fora. Hoje já lá vão 12 anos e mais 12 quilos e, por essa razão, surpreendi-me quando, a seguir a correr na minha passadeira de dondoca, deito-me no chão e dou de caras com ela, a aorta, a pulsar alegremente mesmo em frente ao meu nariz, que é como quem diz, mesmo abaixo do meu umbigo. Não quero parecer precipitada, mas acho que está na altura de me despedir. Adeus, mundo cruel.
Filmes vistos recentemente
Juan José Campanella - El Secreto de Sus Ojos. A mistura deliciosa entre as duas histórias e a amizade comovente entre os dois colegas. E, depois, claro, o suspense e o soco no estômago. Adorei.
Luca Guadagnino - Io sono l'Amore. Fisicamente bonito e exagerado. Uma ópera cinematográfica. Os diálogos são pobres, mas quando vamos à ópera, com todo aquele cantalorar geralmente numa língua estrangeira, mesmo com o libretto à mão, nem sequer os costumamos perceber, pois não?
Kelly Reichardt - Wendy and Lucy. Capta apenas um instante. Muito bonito e comovente.
Leituras recentes
Marguerite Duras - La Douleur. As páginas que a autora encontrou por acaso, como diz num pequeno prefácio do próprio livro, e que não se lembrava de ter escrito. "... uma fenomenal desordem do pensamento e do sentimento, em que não ousei tocar - e face a ela, a literatura envergonha-me.", nas palavras dela. O livro fala sobre o dia-a-dia de uma mulher que espera o marido, no pós-guerra imediato, sem saber se este se encontra vivo ou morto. Outros pequenos contos, fictícios ou não, seguem-se a essa primeira história. Fortíssimo. E, sobretudo, palpável. Como se estivéssemos lá a viver como personagens dos contos. Já tinha tido um sentimento semelhante quando li O Amante.
J.D. Salinger - Franny and Zooey. Um estilo inconfundível (digo eu que só li dois livros dele... este e o The Catcher in the Rye). Muito directo, seco, irónico, com um sentido de humor brilhante, sem lamechices, mas fazendo chorar as pedras da calçada. Neste livro a relação entre os vários membros da família, sobretudo sob o ponto de vista de dois deles, as suas dúvidas espirituais e as relações tipicamente disfuncionais que qualquer família tem e que esta tem de forma ao mesmo tempo dramática e cómica.
Fernando Pessoa na pele de Bernardo Soares - O Livro do Desassossego. O meu livro de cabeceira. Já o li e reli milhões de vezes e identifico-me com quase tudo o que diz e passo a vida a descobrir passagens novas. Para além do mais, é muito lisboeta. Cada vez que leio ou releio mais umas páginas, e salvaguardadas as devidas distâncias entre um tipo genial e... eu, chego sempre à mesma conclusão: é bom saber que não vou ser a única neurótica que esta cidade viu nascer, crescer e morrer.
07 junho 2010
03 junho 2010
Entraste em mim primeiro com os olhos, depois com os lábios, a língua, os dedos, as mãos e, por fim, com o corpo todo. Entraste em mim com a determinaçao própria de quem sabe que o que deseja lhe pertence. E desde aquele primeiro olhar, senti as artérias encherem-se de sangue e o coração a transbordar. Estava a acordar depois de um longo ano de ausência. Sabemos que a nossa capacidade para o bem iguala a nossa capacidade para o mal. Isso é trágico, porque nunca estamos a mais do que dois pensamentos de distância um do outro e, no entanto, não mais voltaremos a ser um só. Contudo, estou feliz. Ensinaste-me hoje que ainda sou capaz de amar. E depois de me começar a sentir, deixei de ter pressa.
01 junho 2010
Há luz sem lume aceso, mas sem amar o calor
Passaram-se 6 anos e ainda me lembro do nó na garganta que senti quando acabei pela primeira vez uma relação. Não sabia, na altura, que me viria a apaixonar várias vezes e que, várias vezes, voltaria a sentir esse nó na garganta, com o terminar de outras relações.
Mas desta vez foi diferente. Invadida pelo vazio de não sentir nada, chorei. E ele, sem perceber, Desculpa. Numa só palavra, a distância que nos separava. Quis dizer... Estás a perceber tudo mal, eu é que peço desculpa. Quero aquele nó na garganta, quero ver-te longe, odiar-te. Quero saber que ainda sou capaz de amar e de morrer de amor. Quero morrer de amor. Quero saber que te amei. Que não estive contigo só para não estar sozinha. Que não foste para mim só um amigo. A dedicação que eu posso ter por um amigo pode, de facto, e fê-lo por diversas vezes, impressionar, mas não arde e não dói, não faz cicatriz, não arrisca e também não explode de alegria num fogo-de-artifício de emoções. Eu, no passado, abdiquei desse amor, exactamente por doer tanto. E agora fiquei vazia. Tão vazia, que nem o nó na garganta sinto, na hora de, uma vez mais, dizer adeus.
Subscrever:
Mensagens (Atom)