27 abril 2024

Es muss sein: ler

‘- Que estás a fazer?
- Como assim, que estou a fazer? A ler, não? - respondeu ela, como se nada fosse.
- Sim, precisamente, porque te puseste a fazer isso logo agora?
- De repente, deu-me vontade de ler.
Ela mantinha os olhos fixos no livro. Talvez fosse a sua maneira de se subtrair à realidade.’

Uma noite na livraria Morisaki, Satoshi Yagisawa, Editorial Presença

30 março 2024

‘No cabeço, com o livro a queimar-me as mãos, eu senti que não tinha forças para ser melhor. Só sabia seguir por inércia o que a vida me colocava diante.’

A Desumanização, Valter Hugo Mãe, Porto Editora, 2013

21 março 2024

O meu querido aforismo ou o meu possível epitáfio

Melhor do que a perfeição, só o sentido de humor.

07 novembro 2023

Constato, não sei se com espanto, mas certamente horrorizada, que a minha categoria de filmes no film in é ‘filmes de conforto’. É assustador vermo-nos encaixados, reduzidos, simplificados a a uma categoria. Pensei que uma das vantagens de uma plataforma de filmes de qualidade em streaming, era poder enfim evitar categorias. Estava enganada. Encaixo na categoria ‘filmes de conforto’. Lá estão as Mulherzinhas, que eu adorava, quando era eu própria e até tão tarde era ainda uma mulherzinha e que ainda me traz boas recordações. Lá estão tantos outros. Não os vi, mas lá devem estar os filmes do Wim Wenders e tantos dos filmes sobre os quais já escrevi aqui. Categoria ‘filmes de conforto’. Não sei se pertenço a esta categoria por procurar constantemente a beleza e a poesia no dia-a-dia ou se por estar num estado de permanente negação.

21 setembro 2023

Vi o filme O Estado das Coisas, do Wim Wenders (1982). Lindo. Adorei. Comoveu-me que Lisboa e Sintra no filme sejam ainda a Lisboa e a Sintra da minha infância, entretanto quase perdida para os turistas e para os nómadas digitais. O filme é todo lindíssimo, não só pelas imagens belíssimas, mas também por aquela súbita e forçada paragem no tempo, que obriga os personagens, cada um à sua maneira, a matar lentamente o tempo. Que bonito a intimidade com que esse 'matar o tempo' está filmada. Bonito também e tenso é o pressentimento de fatalidade que paira durante todo o filme no ar. Em defesa do seu filme, da beleza das filmagens a preto e branco, da sua história, dos actores que contratou, está o realizador. Só ele não desiste. Só ele é capaz de atravessar um oceano e enfrentar o perigo para encontrar o produtor desaparecido e, assim, poder finalmente terminar o seu filme. Por fim, um desfecho magnífico. Na cena final, o realizador a empunhar a câmara de filmar como uma arma contra um assassino não visível, fez-me lembrar a Rainha Dona Amélia a bater no regicida com o ramo de flores. Trágico. Belo. Obrigada, Wim Wenders, por estes e tantos outros filmes, entre os primeiros da minha lista infindável de filmes preferidos.





28 julho 2023

O meu Es muss sein 

Ler
Escrever
Ser mãe, mulher, irmã, filha
Dormir

Não necessariamente por esta ordem.

11 abril 2023

Ryūichi Sakamoto

Uma notícia triste surgiu, mesmo antes do meu aniversário - a morte de Sakamoto.

Na folha onde há tantos anos imprimi a partitura da música Aqua, consegue-se ler no canto superior esquerdo o nome da clínica, onde trabalhava na altura, em letras grandes e amarelas. Por baixo, de forma mais modesta, o nome da música. E, numa terceira linha, em letras ainda mais pequenas, o nome do compositor.

No canto superior esquerdo da partitura, para a qual olho agora, está retratada, de forma tão simples, a grande contradição da minha vida. O dever que sempre me foi tão grande e pesado e pouco natural, tão longe da minha própria natureza, ocupando o primeiro lugar na primeira linha em letras grandes e chamativas, contrapondo com o que para mim sempre foi prazer, tranquilidade, poesia, a transbordar do meu coração tão pouco prático, em letras bem desenhadas e modestas por baixo.

O Pedro mostrou-me esta música em 2010, quando nos conhecemos. Prometi que a aprendia e que a tocaria em 2011, aquando do nosso primeiro aniversário. O tempo passei-o a trabalhar desmesuradamente no hospital e só aprendi a música quando engravidei do Manuel em 2014 e pude, finalmente, descansar e dedicar-me de corpo e alma à música e àquele bebé tão frágil, que me obrigava a estar de repouso e que eu tinha tanto medo de perder.

À medida que vou tocando a música e me vou lembrando como foi difícil e como me deu prazer aprendê-la, apercebo-me das semelhanças entre aprender a tocar uma música e aprender a amar.

Apesar de todos as minhas imperfeições e tudo aquilo que não atingi, sinto particular orgulho por tocar esta música, que se tornou num símbolo do meu amor pelo Pedro e pelos pequeninos.


Sou uma gota de água no oceano de agradecimentos a Sakamoto. Mas não posso deixar de, eu também, prestar a minha homenagem a este senhor no meu modesto blog. Obrigada, Sakamoto.