01 novembro 2022

25 outubro 2022

Vi vários filmes do Almodóvar quando estava na faculdade. Vi-os, sobretudo, no cinema e acompanhada por amigos. Eram filmes que me divertiam, cheios de personagens excêntricos, cores contrastantes e situações caricatas. As comédias eram engraçadas e os dramas burlescos. Via tudo com a simplicidade e ingenuidade da juventude, da minha juventude, que foi verdadeiramente abençoada, abençoadamente simples e feliz.

Revê-los agora, 20 anos depois, foi um choque.

17 setembro 2022


 

O que mais me comoveu nos filmes do Fellini que revi recentemente?

A sinceridade.



29 julho 2022

Numa cena no filme Columbus (Kogonada, 2017), a Casey fala sobre um edifício. A arquitectura tornou-se, recentemente, uma grande paixão de Casey. O Jin não parece interessado e interrompe-a, acenando lentamente a mão à frente dela.


Casey: Sorry, what?

Jin: What are you doing? Who are you?

Casey: What?

Jin: Who are you?


Riem-se os dois.


Casey: God, shut up. I’m just trying to tell you about this building.

Jin: Ok, stop with the tour guide mode for a second.

Casey: I’m not in a mode.

Jin: You said this is one of your favourite buildings.

Casey: It is.

Jin: Why?

Casey: It’s one of the first modernists banks in the United States.

Jin: Not. It can’t be it.

Jin: Do you like this building intellectually, because of all the facts?

Casey: No. I’m also moved by it.

Jin: Yes. Yes. Tell me about that. What moves you? 

Casey: Thought you hated architecture.

Jin: Hum. I do. But I’m interested in what moves you, particularly about a building.


Segue-se uma cena maravilhosa, durante o qual a Casey, em silêncio para o espectador, parece, pela primeira vez, pensar e expor os motivos que a levam a gostar tanto daquele edifício e, ao fazê-lo, também ela se comove. E nós também, mesmo nem tendo ouvido a explicação. Ela chegar a esse ponto de sinceridade com ela própria é, por si, comovente. Muito comovente.

15 julho 2022

Revi dois filmes do Fellini: La Dolce Vita (1960) e 8 1/2 (1963).

Mais uma vez, estes foram filmes que eu tinha visto quando estava na faculdade, em casa, sozinha, desbravando a cinemateca que os meus pais, diligentemente, ao longo de anos, haviam gravado a partir da televisão em cassetes VHS.

Por volta dos 10 anos, eu própria tinha ordenado, enumerado e registado todos esses filmes num caderno de capa vermelha e agora entretinha-me a vê-los.

                            O que será feito desse meu querido caderno de capa vermelha?

A escolha era eclética e se calhar incompleta, mas fascinante para mim e ainda hoje estou grata aos meus pais por me terem facultado estes filmes. Woody Allen, Ingmar Bergman, Carl Theodor Dreyer, Rossellini, Antonioni, Fellini, Hitchcock, filmes antigos portugueses, Godard, talvez outros filmes franceses, mas não sei porquê, não me lembro de mais. Ou não me marcaram, ou não vi. Tenho constatado, com humildade, que nem sempre me lembro dos acontecimentos como eles aconteceram, nem das coisas como elas eram.

                           Como quando me esqueci que tinha lido o Breakfast at Tifannys.

Revi estes dois filmes do Fellini e, mais uma vez, adorei vê-los, vivê-los. E, tal como já tinha acontecido com os filmes do Antonioni, tal como já tinha acontecido com o Paris Texas do Wim Wenders e tal como aconteceu mais tarde com os filmes do Almodóvar e do Nanni Moretti, sobre os quais ainda irei escrever aqui, desta vez os filmes do Fellini comoveram-me de uma maneira que teria sido impossível quando estava na faculdade. A angústia e a beleza de sermos imperfeitos, filmada de forma tão bela. Assim comovida, andei durante dias com cabeça e coração imersos nos filmes. Foi maravilhoso. 

21 junho 2022


 Marcello Mastroianni in La dolce vita, Federico Fellini (1960)


Claudia Cardinale in 8 1/2, Federico Fellini (1963)

10 maio 2022

 Constantly talking isn't necessarily communicating.


Joel, Eternal Sunshine of the Spotless Mind (Michel Gondry, 2004)

06 março 2022


 

Antes que me esqueça, revi o L'Avventura do (Michelangelo) Antonioni (1960), a propósito do triste falecimento da Monica Vitti.

Foi um filme que vi pela primeira vez na faculdade, numa altura em que andava a explorar os filmes do neo-realismo italiano e o conjunto de filmes que se seguiu a esse período. Foi uma altura muito especial para mim, de absoluta admiração e fascínio pela sétima arte.

Tinha-se aberto uma janela para um mundo, que era, nessa altura, novo para mim, um mundo de preocupações sociais e individuais, com as quais nunca tinha tido, até então, que lidar, nem directa, nem indirectamente. Quando o meu maior trauma na infância, era ser deixada durante breves minutos na fila do supermercado, enquanto a minha mãe ir buscar o leite de que se tinha esquecido, já se vê que fui, realmente e durante muito tempo, poupada a qualquer tipo inquietação. Em breve, ver-me-ia eu própria forçada a ver e a viver situações emocionalmente difíceis, mas na altura em que vi o L'Avventura, ainda vivia serenamente despreocupada.

O poder da imagem também me encantou, não só a capacidade da sétima arte de transmitir mensagens significativas, como a própria beleza das imagens em si: as mulheres, os homens, as paisagens, naturais e urbanas, sentimentos e lugares fatidica e magicamente entrelaçados. Tudo filmado da forma mais bela possível: desde a expressão de uma actriz, à curva de uma estrada.

Recentemente, com a minha máquina gigante a tiracolo, tento também eu capturar momentos de beleza inspiradora: situações, edifícios, lugares e, sobretudo, momentos e sentimentos das pessoas que me são próximos e que, abusadoramente mas ternamente, gosto de chamar os meus.

Soube-me tão bem rever o L'Avventura, que me pareceu um excelente ponto de partida para recordar e deixar registado os filmes que, nos últimos anos, mais apreciei e que me encheram daquele fascínio encantador que senti, outrora, como agora, a ver os filmes do Antonioni.

21 fevereiro 2022

12 fevereiro 2022

São 20h, finalmente.

 ----------- R-------E-------S-------P------I-------R-------A--------------

Telemóvel

No what's app: três grupos de pais, vários grupos de festas de anos, dois grupos de trabalho, várias conversas individuais de trabalho.

Nas mensagens normais: dois supermercados, um restaurante.

No email: um jornal, trabalho, contas para pagar.

No google maps: como ir e como sair dos mais variados lugares.

No calendário: trabalho, dentista, dia de renovação do cartão de cidadão, alguns aniversários, as mais variadas festas de anos, torneios de futebol, torneios de ténis.

No instagram: 7 amigos.

Na internet: wikipedia.

No Spotify: música.

01 janeiro 2022

Os meus avós rezavam o terço todas as noites. Eu estava com eles durante os meses de Verão. Via-os à noite, na varanda, que era pequena e dava apenas de esguelha para o mar - uma tira azul e estreita ao fundo da rua. O meu avô preferia esta varanda à nossa varanda. A nossa varanda era grande e estava debruçada sobre o mar, como um barco. Nós adorávamo-la. A varanda do meu avô era pequena e estava debruçada sobre três ruas. Encontrava-se à entrada de Armação de Pêra, motivo de particular orgulho para o meu avô, o motivo para mim ainda misterioso. Era da sua varanda, que o meu avô via, ao longo dos meses de Verão, as camionetas e os carros que, antigamente, viajavam ao ritmo das quinzenas. Via a pizzaria à qual nunca ia, a casa nobre antiga na esquina e, finalmente, via o mar, no fundo de uma das ruas, a tal tira azul por detrás do casino velho.

O meu avô passava grande parte do seu dia na varanda. Face serena, muitas vezes a sorrir ligeiramente. Sentava-se numa cadeira de plástico, com um formidável apoio de costas. Adorava aquela cadeira. Usava calções e os pés deixava-os a repousar num banco ou numa cadeira em frente à sua. Tinha as pernas magras e sem pelos, notoriamente brancas, sobretudo quando comparadas com as da minha avó, morenas do sol. As mãos deixava-as entrelaçadas no colo ou ficavam a segurar um livro, tipicamente um western. À noite, depois de secar e guardar a loiça que a minha avó lavava, arrumava as cadeiras da mesa, caracteristicamente na diagonal. Punha o pano bordado a crochê e a taça com a fruta decorativa no centro da mesa e ia sentar-se na varanda. A minha avó ficava sempre a arrumar mais algumas coisas, sentava-se depois uns minutos a ver televisão e ia ter a seguir com o meu avô à varanda. Nessa altura rezavam, então, o terço.

A minha avó, muito direita, terço no regaço, corpo balançando muito subtilmente para trás e para diante. O meu avô, com a sua postura habitual, pernas esticadas, mãos entrelaçadas.

Os dois partilhando a mesma fé, reforçando os laços que os uniam. Meditando.

Nunca pediam que eu rezasse com eles e eu, habitualmente, também não o fazia. Eu gostava de os observar.

Durante muitos anos, o ritual deles fazia parte do meu ritual de Verão e contribuia para o sentimento tão pleno de paz que eu sempre senti quando estava com eles. Os meus avós davam-me muito espaço e eu saboreava cada minuto daqueles dias compridos. Sestas longas, tardes no quarto a ensaiar desmaios ou mortes trágicas, a ler, a ouvir música. Comíamos diariamente carapaus assados, que nós adorávamos e que acompanhávamos com pão de São Marcos e salada de tomate algarvia. E havia ainda aqueles banhos intermináveis no mar. Durante muitos anos, aguardei, ora com ansiedade, ora com melancolia as férias de Verão.

O Pedro ofereceu-me um telefone novo. Protestei. Não precisava de um telefone novo, o meu estava óptimo. Quando troquei de telefone, perdi os contactos recentes e retomei contactos que não me interessavam, do tempo da faculdade. Perdi as minhas preciosas fotografias, todas aquelas luas gigantes, os meus pequeninos, as nossas últimas férias de Verão. Senti-me perdida. Quando, pela primeira vez, fui por o despertador, hesitei. Queria acordar às 6h, como sempre, para conseguir tomar banho e preparar o pequeno-almoço para os pequeninos, antes de o caos do dia-a-dia se instalar. Mas o telefone complicava a minha vida, com o que me pareceu ser uma infinidade de perguntas. Acabei por decidir 'ir dormir' às 23 horas e começar a 'relaxar' três horas antes.

Se falo nisto agora, é por dois motivos.

O primeiro. Os serões de paz que tenho e temos tido nos últimos meses, desde que deixei de usar o telefone à noite. O espaço, a paz da minha adolescência. Um sentimento de gratidão - to whom it may concern.

O segundo. O meu avô teria feito hoje 109 anos. Com o seu sorriso e a sua tranquilidade, o seu ar de rapaz malandro, ainda presente em mim.