12 novembro 2013

Recentemente visto...

Le scaphandre et le papillon, de Julian Schnabel (2007), vencedor do prémio de melhor realizador em Cannes nesse ano. Andava a evitar ver este filme, pela mesma razão que evito ver filmes sobre aborto, crianças com cancro ou o anticristo. Porque me deprimem, só isso. Mas acabei por ver, não porque me tivesse decidido a fazê-lo, mas antes porque ele veio ter comigo num dos canais de televisão. Do mesmo realizador já tinha  visto o Before Night Falls (2000) sobre o escritor cubano Reinaldo Arenas, que gostei muito. O próprio Julian Schnabel era artista (pintor e escultor) antes de se ter tornado realizador, o que pode explicar a sensibilidade visual dos seus filmes e a escolha dos temas (invariavelmente sobre outros artistas). Adorei tudo neste filme, não só a história mas sobretudo a maneira como está contado e filmado. Vivi o filme com tal intensidade que suspeito que me vou lembrar dele durante muitos anos. De admirar é também o facto de o realizador, americano, ter aprendido francês e realizado o filme todo em francês, com actores franceses e em França para se aproximar mais da história real. Fica por ver o documentário sobre o Lou Reed - Berlin (2007).

09 novembro 2013

There's a light that never goes out

Take me out tonight because I want to see people and I want to see life
Uma das minhas paixões de infância foi a Belinda Carlisle. Devia ser muito nova quando me apaixonei por ela, porque me lembro que ainda não sabia falar inglês e por esse motivo fiz uma versão portuguesa para cada uma das músicas que conhecia dela e que no total eram apenas quatro. Lembro-me de escrever essas letras durante um dos verões passados em casa da minha avó Maria, mais precisamente no quarto que costumava ser o da minha mãe e que dava, não para a rua, mas para uma marquise. Em vez de achar claustrofóbico esse pormenor, eu achava-o particularmente reconfortante já que me permitia sentar no parapeito da janela sem medo de vertigens, mas em tudo o resto igual ao que faria uma donzela apaixonada com o herói vários pisos abaixo no jardim. Para além disso, era na marquise que a minha avó estendia a roupa lavada, o que fazia com que o quarto cheirasse particularmente bem e de manhã acordava com o cheiro a torradas porque a marquise estava ligada à cozinha. A Belinda Carlisle era bonita e sexy e as suas músicas eram melódicas e davam para dançar, o que, antes dos 10 anos, era o motivo principal para eu gostar de uma música. Como as letras eram da minha autoria, podia escrevê-las exageradamente românticas e a minha felicidade era completa. Esta era a altura da minha vida em que nos tempos livres me divertia a desmaiar e a morrer incessantemente, aperfeiçoando de cada vez que o fazia alguns pormenores que a minhas primas e a minha irmã iam corrigindo. Morrer de olhos abertos, por exemplo, foi algo que comecei a fazer depois da minha prima mais velha me chamar a atenção para o facto de achar inverosímel eu morrer sempre de olhos fechados. No outro dia, em casa de uns amigos, observámos como a filha do meio, com oito anos, gostava de desmaiar romanticamente, indiferente às brincadeiras dos irmãos de roda da PlayStation e do iPad. Sorri comovida. Não sei que fascínio a morte e o desmaio exercem nalgumas crianças, mas foi bom saber que não estava sozinha na minha infância romantizada e teatral. De toda as qualidades da Belinda Carlisle, a que mais me impressionava, no entanto, e a que mais invejava, era ela ser ruiva. Isto advinha claro de uma outra paixão minha, transversal à Belinda Carlisle, e que era a Ana dos Cabelos Ruivos, que eu rapidamente passei a chamar de Anne of Green Gables, quando aprendi inglês e comecei a ler os livros originais, os vários volumes, até ela crescer e ser quase avó de netos. Eu adorava a Ana dos Cabelos Ruivos e achava inacreditável que existisse alguém tão parecido comigo, mas órfã e ruiva. Apesar de ser particularmente doloroso para a personagem ser ruiva, eu invejava essa característica e sonhava com o dia em que o rapaz da escola se apaixonasse irrevogavelmente por mim e pelos meus cabelos ruivos. Portanto, ainda por cima, a Belinda Carlisle era ruiva, o que é que se podia querer mais?

Há uns anos, revi a cantora num videoclip e nem queria acreditar que se tratava da mesma pessoa que eu idolatrara na infância. Pareceu-me tão magra e ordinária que senti um aperto no peito com a desilusão e não teria voltado a pensar nela se, aqui há uns dias, não tivesse feito um backup da música do meu computador antigo e não tivesse dado com as tais quatro músicas que conhecia dela. Quando a pesquisei na Google, pareceu-me uma senhora normalíssima, autora de música duvidosa, certo, mas de resto sem outros grandes defeitos aparentes. E o pior é que gostei mesmo de ouvi-la outra vez. Como se uma parte de mim nunca tivesse passado dos oito anos, por aí.