Na folha onde há tantos anos imprimi a partitura da música Aqua, consegue-se ler no canto superior esquerdo o nome da clínica, onde trabalhava na altura, em letras grandes e amarelas. Por baixo, de forma mais modesta, o nome da música. E, numa terceira linha, em letras ainda mais pequenas, o nome do compositor.
No canto superior esquerdo da partitura, para a qual olho agora, está retratada, de forma tão simples, a grande contradição da minha vida. O dever que sempre me foi tão grande e pesado e pouco natural, tão longe da minha própria natureza, ocupando o primeiro lugar na primeira linha em letras grandes e chamativas, contrapondo com o que para mim sempre foi prazer, tranquilidade, poesia, a transbordar do meu coração tão pouco prático, em letras bem desenhadas e modestas por baixo.
O Pedro mostrou-me esta música em 2010, quando nos conhecemos. Prometi que a aprendia e que a tocaria em 2011, aquando do nosso primeiro aniversário. O tempo passei-o a trabalhar desmesuradamente no hospital e só aprendi a música quando engravidei do Manuel em 2014 e pude, finalmente, descansar e dedicar-me de corpo e alma à música e àquele bebé tão frágil, que me obrigava a estar de repouso e que eu tinha tanto medo de perder.
À medida que vou tocando a música e me vou lembrando como foi difícil e como me deu prazer aprendê-la, apercebo-me das semelhanças entre aprender a tocar uma música e aprender a amar.
Apesar de todos as minhas imperfeições e tudo aquilo que não atingi, sinto particular orgulho por tocar esta música, que se tornou num símbolo do meu amor pelo Pedro e pelos pequeninos.
Sou uma gota de água no oceano de agradecimentos a Sakamoto. Mas não posso deixar de, eu também, prestar a minha homenagem a este senhor no meu modesto blog. Obrigada, Sakamoto.
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