28 outubro 2010

Ela caminha sobre o muro, a mão dela na minha. À saída da escola eu tinha-lhe dito que lhe ia mostrar um segredo. Não obstante o seu entusiasmo em descobrir o segredo, pelo caminho distrai-se com tudo: as formigas no muro, o avião que passa por cima das nossas cabeças, o pai que põe o miúdo no carro. Demoramos uma eternidade, mas lá chegamos ao nosso destino e, quando o fazemos, o segredo era afinal só uma casa bonita com um jardim bonito. Fico a olhar para ela, à espera de uma reacção de desilusão, mas ela acena afirmativamente e com solenidade. Gosta do segredo. Posso sentar-me e ficar a ver, tia? Digo-lhe que sim e passados apenas alguns instantes já toda a sua atenção recai sobre os homens que estão a cortar a relva. Tia, o que é que eles estão a fazer? A cortar e a limpar a relva. Porquê? Para ficar mais bonita. Porquê? Para os meninos poderem brincar sobre a relva e as senhoras idosas se poderem sentar nos banquinhos do jardim e olhar e ver como está bonita a relva. Ah. E como funciona a máquina? O senhor jardineiro empurra a máquina e a máquina tem uma tesoura que vai cortando e um aspirador que vai limpando. Ah. E se o senhor jardineiro não empurrar a máquina, ela não funciona? Não. Tia? Sim? Podemos ficar aqui mais um bocadinho a ver o senhor jardineiro? Não vais sentir saudades do papá e da mamã? Não, eles podem esperar. Tia? Sim? Depois do Inverno vem a Primavera, e nessa altura vai estar quente e então podemos ir todos acampar: a mamã, o papá, a avó, o avô, a mana, o mano, o carpinteiro e a bianca? Podemos. Vai ser divertido, não vai? Sim. E o jardineiro, também queres que vá? Sim, o jardineiro também pode ir, mas só vai se ele quiser ir, se ele não quiser ir, não vai. Amanhã perguntamos-lhe. Olho bem para ela, ainda tem restos do iogurte no canto direito da boca. Gosto daquele bocadinho de iogurte, porque foi o iogurte que ela comeu à pressa assim que me viu chegar à porta da sala de aula. E depois de repente, do nada, uma pressa estúpida, uma pressa de adulto sempre com pressa para coisa nenhuma, toma conta de mim. Pego nela como se fosse um saco de batatas e vamos embora, deixando para trás quilos e quilos de relva cortada.

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