06 agosto 2010

No dia seguinte ainda estou irritada com o jantar da véspera e, quando chego à garagem, lembro-me que estou sem carro, que o fui pôr na oficina na noite anterior. A próxima hora é passada ao telefone com a minha mãe, comigo à procura das chaves do velho Micra e a minha mãe desesperada É sempre a mesma coisa, nunca consegues encontrar nada. Acabo por descobrir que afinal o Micra está em casa da minha irmã e vou até lá de transportes, amaldiçoando o dia e mais uma vez o jantar da véspera. Apesar da confusão, chego ao hospital com apenas meia hora de atraso e quando me estou a vestir para entrar no bloco, dizem-me que o Professor está internado. Nem tenho tempo de me justificar, arranco a touca ridícula e as pantufas à Hobbit e dirigo-me ao piso 3 onde o Professor se encontra deitado, ofegante e me diz Nem imagina, Sofia, estou tão cansado. Sinto-me tão mal de o ver assim, que tenho de me sentar na cama e, por momentos, acho que vou desmaiar, por entre o soro e as malas do Professor. Ele tem pena, sabe que está em falta para comigo por não ter corrigido ainda os meus trabalhos. Digo-lhe que nem se atreva a pensar nisso, quero dizer-lhe para mandar os trabalhos para o $%&/, mas não posso dizer isso, porque o Professor é a pessoa mais gentil e bem educada que eu conheço e não ficaria bem dizer asneiras, sobretudo estando ele assim tão fragilizado. O que o Professor tem de fazer, digo-lhe, é o belo do Tazobac e descansar para se pôr bom o mais depressa possível. Ele sorri e aí lembra-se É verdade, não me quero armar em esperto, mas acho que o Tazobac não está a correr. Eu vou lá, rodo o controlador do conta-gotas e ele acrescenta Como será que agora vou tomar banho com estes fios todos? Mal consegue dizer a frase, fica ofegante a cada palavra que pronuncia e, de novo, sinto-me tão mal, que penso que vou desmaiar. Acabo por sair à pressa do quarto, envergonhada e, vou ver a PCR, que já está a descer. Quando regresso ao bloco, a cirurgia já vai no fim e dizem-me Ah, é verdade, aquela tua doente, da semana passada, lembras-te? Morreu ontem à noite. Fico parada, perplexa. E nesse dia saio mais cedo. Não volto a passar pelo quarto do Professor. Não quero saber do meu chefe que me vê a sair àquela hora do hospital. Pico o dedo. Se me quiserem despedir, estão à vontade.

1 comentário:

zamora disse...

como é que tu aguentas essa vida...
um beijinho.