05 agosto 2010

O sushi não está grande coisa, desculpa-se ele. Não toco no sushi, com o arroz espapaçado que me faz lembrar o arroz de polvo da cantina do hospital do outro dia, mas olho para a manga cortada em fatias por cima da bancada da cozinha e digo Não faz mal, enquanto planeio uma retirada subtil de uma fatia de manga para mais logo. Ando muito cansado, sabes. Pergunto-me a mim própria como pode ele estar cansado se está de férias e passa a vida na praia, em jantares e copos, enquanto eu, que estive as últimas 36h seguidas no hospital, estou aqui fresca que nem uma alface, mas acabo por não dizer nada e espero que ele continue. E, tu, como é? Muitos flirts? Não percebo imediatamente o intuito verdadeiro da pergunta, acho estranho ele estar interessado nos meus flirts, mas quando respondo Não, apenas me envolvi com um colega meu e ele contrapõe, Não te preocupes, eu já vou para cima de meia centena, percebo que de certa forma era ali mesmo que ele queria chegar. De que vale dormir com meia centena de raparigas, se não se puder falar ao desbarato sobre isso? Apesar de tudo, a resposta surte efeito em mim e pergunto incrédula Dormiste com 7 raparigas desde que acabámos?... Oito, responde ele a sorrir e agora percebo que está satisfeito com o rumo da conversa. Encolho os ombros conformada, mas ele continua. Que é uma pessoa que dá muito (eu: 5 minutos de cada vez?!), que muitas ficaram mesmo apaixonadas por ele, apesar de já se terem deitado com 20 tipos aos 20 anos, não, ele certamente não é só mais um na vida delas, que é uma pessoa muito emocional e apaixonada, que a vizinha também queria, pensava ele, não, vendo bem, tinha a certeza, que ela queria dormir com ele, mas ele recusou, porque era a vizinha e como ia ele fazer quando tivesse que passar de mão dada com outra nas escadas?, que a vida agora era difícil com tantos jantares, porque ele gosta de se empenhar e dar muito e por isso fica cansado, que as compras para o sushi de hoje foram feitas com a Mel, chama-se Melanie, mas ele gosta de a chamar de Mel, que o melhor amigo diz que ele é um grande maluco e que o Lux anda espectacular. Começo a ficar nauseada, sem perceber como foi possível ter um relacionamento de 8 meses com alguém que parece um atraso mental e a quem, fisicamente, me custou tanto a adaptar. Pergunto-me de onde pode ter ido ele buscar tanta auto-estima, quando o comum dos mortais se labuta diariamente para não se sentir a pessoa mais miserável do mundo. Depois penso racionalmente que estou revoltada e que, estando revoltada, não vale a pena pensar de todo, por isso fico a olhar para o vazio na direcção da cama, ao que ele pergunta Estás a sentir uma certa nostalgia, não é? Olho, surpreendida, para ele e digo com repugnância Claro que não!, mas quando me lembro que posso ter sido ofensiva, reparo que não há mesmo nada que possa ofender este homem. E, nesta altura, começo com pensamentos horríveis. Quero ofendê-lo, dizer-lhe que só namorei com ele por favor, que não senti nada quando acabámos, que me assutei a primeira vez que o vi nu, o corpo disforme pela paralisia braquial, o tórax em barril, a barriga e, claro, o estrabismo, que nunca me senti apaixonada, que o que precisava na altura era mesmo de um amigo que me salvasse da relação patológica que tu e eu tínhamos vivido recentemente, que conseguisse apagar as memórias tão intensas, boas e más, que eu guardava nossas. Quero dizer que ele nem nunca entendeu nenhuma piada minha, que não consegue dizer duas frases seguidas com sentido, que a conversa com ele foi sempre vazia, que ele nem nunca soube o quanto pensei em ti enquanto namorávamos, as nossas memórias, afinal e uma vez mais, sempre tão presentes. Que estava com ele porque ele me fazia rir, dava-me segurança, era querido e tratava-me bem. Mas, mais uma vez, não digo nada, pelo menos sobre isso. Tens o invólucro de um preservativo ao lado da cama, acabo por reparar. Ah, desculpa, que mal! E eu que até sou um tipo cuidadoso! e sorri. Já sei, que dá muito..., murmuro e encolho os ombros de novo. Quando se diz uma palavra muitas vezes, como sapato, por exemplo, não sentes que perde o significado, pergunto-lhe. Lança um olhar interrogador na minha direcção. Estou a falar do sexo, esclareço. Quando o fazes assim tantas vezes, não sentes que perde o significado? Pergunta idiota para se fazer a um homem, mas eu sem querer já a fiz e agora já não posso fazer nada, se não calar-me e aguardar a resposta dele. Às vezes é um bocadinho cansativo, diz ele, do tipo, ah, lá vou eu outra vez. Por isso tento ficar 3 dias por semana sozinho em casa. Digo que o compreendo, que eu própria estou cansada só de o ouvir falar em todas as pessoas com quem anda a dormir, mas ele não percebe a ironia a replica E ainda nem ouviste nada! Ainda nem te contei nem metade! Sorrio com um sorriso triste. Sinto-me uma merda. Fui o número 42, em nada diferente do número 41 ou do 43. Não mais do que um degrau na escala da contagem da quarta dezena, que se prolongou por mais do que uma noite, apenas porque ele é uma pessoa que dá muito e foi tudo um favor que ele me fez. E penso que, apesar das promessas dele, O próximo sushi vai ficar melhor, vais ver!, e das minha promessas, Tenho a certeza que vamos ficar amigos!, não mais volto a jantar com um ex-namorado megalómano que demora apenas duas horas a destruir dois meses de cuidadosa reabilitação da minha auto-estima.

2 comentários:

não puxes o rabo ao gato disse...

tão trágico que se torna, desculpa, delicioso de ler...

Sofia disse...

Por mais voltas que dê, chego à conclusão que não há mesmo maneira nenhuma de aceitar bem a rejeição, independentemente do contexto em que esta se tenha dado. Azar (o meu, claro!). Enfim... com sorte, há de passar com o tempo :)