21 maio 2010

Tenho estado a ouvir a Antena 2 no carro. Abro as janelas e é ver sonatas de piano, jazz, trechos de ópera e concertos a voar pelo carro fora. Muito cinematográfico. De fora, devo parecer aqueles bimbos que ouvem música de gosto duvidoso mais alto do que devia ser permitido, com o carro a abanar das batidas que ressoam a vários kilómetros de distância. Mas eu não me importo. Gosto daquilo. Condiz com a minha alma trágica. O Rufus, a Ana dos cabelos ruivos e eu. Os três pertencentes ao mesmo clube. O clube dos melodramáticos, que retiram sempre algo de bonito e gozável do sofrimento virtual. Em pequena, sim, porque hoje sou crescida e sábia, tinha por hábito passar tardes inteiras a desmaiar e a morrer de formas românticas. Não sei bem qual era a génese do gozo que eu tirava dessas encenações, mas sei que não condizia em nada com os desmaios verdadeiros que tinha (sempre fui muito vaso-vagal), nem das mortes das quais ia tomando conhecimento. Eram dois mundos distintos. O meu mundo fantasioso, trágico, romântico, lindo de morrer e o mundo real onde desmaios e mortes não tinham piada absolutamente nenhuma. Hoje já não enceno mortes, nem desmaios, mas mantenho o meu mundo fantasioso e trágico e volta e meia refugio-me nele. Estão milhares de crianças a morrer em África, milhares de pessoas a passar fome e frio, as atrocidades da guerra a afectarem outros milhares. E eu aqui, a embalar-me na tragédia alheia e inexistente e a sorrir, enquanto o carro percorre as curvas de Monsanto.

Sem comentários: