06 abril 2011

E depois foi assim...

No barco sem ninguém, anónimo e vazio, ficámos nós os dois, parados, de mão dada... Como podem só dois governar um navio? Melhor é desistir e não fazermos nada! Sem um gesto sequer, de súbito esculpidos, tornamo-nos reais, e de madeira, à proa... Que figuras de lenda! Olhos vagos, perdidos... Por entre nossas mãos, o verde mar se escoa... Aparentes senhores de um barco abandonado, nós olhamos, sem ver, a longínqua miragem... Aonde iremos ter? — Com frutos e pecado, se justifica, enflora, a secreta viagem! Agora sei que és tu quem me fora indicada. O resto passa, passa... alheio aos meus sentidos. — Desfeitos num rochedo ou salvos na enseada, a eternidade é nossa, em madeira esculpidos!
David Mourão-Ferreira, A Secreta Viagem

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