01 abril 2011

Camino, de Javier Fesser (2008). À beira de fazer 31 anos, este filme atingiu-me como uma bomba. Isto por vários motivos. O primeiro e óbvio é porque incide sobre uma história horrível e algo que eu vejo com infeliz frequência no meu dia-a-dia. Todavia, nenhuma das crianças que eu vejo morrer vai alguma ver estar em processo de beatificação, o que mostra que, até para se ser santo, é preciso ter sorte. Mas todos sofrem por igual e, com ou sem fé, a maior parte porta-se de forma assustadoramente corajosa. Nunca tive relação nenhuma com a Opus Dei, uma filha de um vizinho que desapareceu aos 18 anos, os pais a chorarem pelo prédio, no elevador, nas escadas, mas foi só. Nem posso dizer que os meus pais sejam uns crentes veementes. A minha mãe andou num colégio interno de freiras dos 7 aos 17, em que a casa só ia nas férias, eram as freiras a vasculhar as gavetas e ela a tentar esconder o diário, um pequeno molho de folhas só isso, sempre sem sucesso, mais uma vez os erros rasurados, os sonhos criticados e depois chegar a casa e o irmão a dizer para porem a toalha especial na mesa, porque tinham visitas. Já se vê que o amor da minha mãe pela Igreja nunca podia ter ido longe. O meu pai, apesar da grande fé que tem, sem o saber ou sem o admitir, é demasiado intelectual para se conseguir encaixar todos os domingos num banco de uma igreja a ouvir passivamente um padre que sabe menos do que ele. Por isso, durante toda a minha infância e adolescência, ter fé e ser praticante era uma coisa muito minha e muito característica do mundo fantasioso em que vivi até inexplicavelmente tarde. A verdade é que, abandonada a fé, fiquei com dificuldade em encaixar o sofrimento. Não o sofrimento relacionado com a não satisfação dos degraus da base da pirâmide de Maslow, mas aquele sofrimento banal ligado ao topo da pirâmide e que vem em menor ou maior quantidade conforme os dias, as semanas ou os anos. O que me leva ao segundo motivo pelo qual a história me tocou. No filme a mãe diz-lhe qualquer coisa deste género: esta é pelos bebés não baptizados e esta pelos pecadores. A nós faz-nos impressão este sofrimento comido à colher, as pedras no sapato, mas a verdade é que a Igreja, mais do que à morte, veio dar um significado ao sofrimento, que, com ou sem Igreja, com ou sem Opus Dei, com ou sem fome, com ou sem pedras no sapato, é sempre inevitável.

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