27 fevereiro 2013

Quando estava triste ou cansado, nunca cheguei a perceber bem, o meu pai adoptava uma de duas posturas físicas que me irritavam especialmente, sobretudo pela maneira súbita e imprevisível como elas se instalavam. Estas posturas determinavam o início de um período de introspecção cuja duração era inconstante e cujo acesso nos estava vedado. Às vezes conseguia trazê-lo de volta perguntando enervada 'Pai, o que é que aconteceu?!', mas a maior parte das vezes ele interrompia a sua postura apenas para dar uma resposta vaga e aparentemente surpreendida por o resto do mundo continuar ali: eu, a minha irmã, a minha mãe, a travessa do esparguete, os talheres por arrumar sobre o prato vazio. Depois voltava a segurar a cabeça entre as mãos, os cotovelos sobre a mesa, de volta ao seu mundo. Em alternativa, e isto é comum aos quatro irmãos (o meu pai e os meus três tios), começava de repente a andar de um lado para o outro da casa, as mãos na cintura sem convicção a descaírem ligeiramente pelas coxas e a cabeça estranhamente flectida para a frente, o olhar sombrio. São o tipo de coisas que só presenciamos quando vivemos muito de perto com alguém. Hoje quando estou com o meu pai, ele está sempre bem disposto e fica feliz por me ver, não foge para o seu mundo tão distante do meu. Mas eu passei a ser como ele. Em alturas em que estou triste ou cansada, esteja no trabalho ou em casa, mas sobretudo no trabalho, refugio-me sem sequer dar por isso exactamente nas mesmas posições que antes tanto me irritavam. Literalmente não me apercebo de que desliguei de repente do mundo naquelas posições, que são mais muros do que posturas, até que alguém, estranhando, pergunta 'Está tudo bem?!' e eu vejo que me tornei igual ao meu pai.

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