14 setembro 2013
Ouvíamos Dire Straits no quintal do Pedrocas, de fato-de-banho e descalços, enquanto comíamos sandes em triângulos e brincávamos à mangueirada. Não tenho saudades da adolescência. Nem que me pagassem, voltava a ter 13 anos. Mas a recordação dessas tardes é tão doce, que ao ouvir o Walk of Life de surpresa no carro, os olhos se enchem de lágrimas. Na escola não era cool gostar de Dire Straits. Mas na escola não havia mangueiradas nem tardes de fato-de-banho no quintal do Pedrocas e por isso era impossível alguém na escola saber do que estava a falar quando criticava Dire Straits. O Pedrocas e a irmã eram divertidos. Ele tinha 14 e ela 10 e encenavam piadas elaboradas que contavam com pompa e circunstância, como se de um alto de um palco. Nós ríamo-nos. Agora que penso nisso, toda a família era engraçada, começando pelo avô e acabando no gato. Há cerca de dois anos encontrei o Pedrocas na praia e, por graça, fui cumprimentar a família. Ninguém me conheceu. Ninguém se lembrava de mim, nem daquelas tardes fantásticas em casa deles. Ninguém saberia dizer porque é que na escola eu defendia os Dire Straits a custo de tanto sacrifício social. Se calhar porque durante muitos anos não fui a Sofia, mas sim a irmã da Mariana. O Pedrocas deve ter pensado nisso, porque de repente ouço 'Não se lembram da Sofia? É a irmã da Mariana!' Todos: mãe, pai, avó, avô, gato... 'Claro, a Mariana, tão simpática, que é feito dela?' Está óptima, penso para comigo. E com a memória que ela tem, provavelmente não se lembra de nenhum de vocês. É verdade, a minha irmã nunca teve grande memória. Ainda hoje sou eu, a minha mãe e o meu pai que a recordamos de quem é que andou com ela onde. Por exemplo 'Nao, Mariana, a Maria Inês era da Escola Alemã e andou contigo do quinto ao sexto ano. A Joana é que era da primária e a Patrícia da Cidade Universitária'. É um fenómeno. Um mistério como é que ela confunde com tanta facilidade os três universos, vulgo escolas, onde ambas andámos. A maior parte das pessoas não se lembra da vida até aos três anos. A minha irmã não se lembra de nada até aos 18. Vendo bem, não sei se deva criticar. Ainda no outro dia ia jurar que o Winter cantava o Dock of The Bay no filme Alice in den Städten. Na verdade, a minha imaginação foi ao ponto de me lembrar do filme sempre que acontecia ouvir Otis Redding. Pior, convenci imensa gente de que assim o era. E finalmente no outro dia revejo o filme e afinal a música que o Winter canta é o Under the Boardwalk. Senti-me traída pelo próprio Wim Wenders. A propósito, o Otto Sander morreu. Lá foi mais um anjo...
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