09 dezembro 2012
Lembro-me de pensar que eu teria sido sempre eu, independentemente de como se tivessem passado os eventos antes da minha existência. Suponho que seja um sentimento comum nas crianças. Era-me totalmente alheio o facto de eu, tal como me conhecia, ser, como de resto todos nós, apenas o resultado de uma sequência incontável de incidentes totalmente improváveis. Antes de começar a namorar o meu pai e ao mesmo tempo recusar a proposta de namoro de um outro pretendente, a minha mãe percorreu 300 quilómetros de comboio do Algarve até Lisboa. Ao ver o meu pai, dissipou qualquer dúvida que ainda pudesse haver sobre o seu futuro e, abreviando a história, uns anos depois nasceu primeiro a minha irmã e depois eu. Duvido que esta viagem de comboio tenha decidido o que quer que fosse. A minha mãe, consigo adivinhá-lo, apaixonou-se tragicamente pelo meu pai no momento em que o viu pela primeira vez. Tê-lo visto pela primeira vez, isso sim, foi um acaso ou, mais uma vez, o resultado de todo um conjunto de acasos. Eu ouvia esta história e tinha a certeza que, mesmo que a minha mãe tivesse escolhido o outro pretendente, de quem eu nunca soube o nome, eu teria ficado no meu lugarzinho no céu à espera de me materializar e tê-lo-ia feito no mesmo dia, no mesmo mês e no mesmo ano que fiz tendo o pai que tenho. Teria tido os mesmos olhos, as mesmas bonecas e os mesmos professores na escola. Teria tido um pai diferente, apenas isso. Esta minha sensação de sentir a minha vida garantida independentemente de tudo o resto, estendia-se a outra encruzilhada amorosa na minha família. Aos 24 anos o meu avô ficou noivo. Pouco antes do casamento, a noiva foi consolar umas tias tuberculosas que se tinham mudado para a Serra de Monchique onde se dizia que o ar fresco fazia maravilhas ao bacilo de Koch. Infelizmente para os noivos, a única maravilha que a serra fez por eles foi separá-los. A noiva morreu e o meu avô passou a andar com uma arma no bolso, que acabou por atirar ao rio Arade meses mais tarde, decidido a sobreviver à dor, vir a conhecer a minha avó anos mais tarde e, assim, dar continuidade à história da nossa família. Eu romantizava tanto a história da noiva tísica que cheguei a achar que, se acaso tivesse havido tuberculostáticos na altura, ela ter-se-ia curado, a minha mãe teria nascido e teria tomado à mesma aquele comboio.
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