13 março 2014
Até agora associei os papo-secos à minha avó. Sempre disse papo-seco. E não foi por opção. A verdade é que só conheci as carcaças na faculdade. Até o cão da quinta da minha avó era o papo-seco, um cão pequeno, beje, com ar deslavado, um pouco gordinho e muito rafeiro. O papo-seco. Já morreu, claro... Os papo-secos pertenciam, como tantas outras coisas da minha infância, ao Verão. Durante as férias de Verão, eu queria desesperadamente comer fruta doce e suculenta, onde se encaixavam as uvas, o melão, a meloa e a melancia, fruta impossível de comer durante o resto do ano. Queria comer carapaus assados (assados pela minha avó, que os fazia muito bem), salada de tomate, massa de peixe e pão de S. Marcos. De todas estas iguarias de Verão, o pão de S. Marcos era a minha preferida. A minha avó comprava o pão logo de manhã na praça, mas fazia-nos esperar até à hora de almoço para o comermos. Pesado como era e dado o risco de congestão, patologia que eu nunca encontrei nos tratados de Medicina mas que todos sabemos como é querida aos portugueses, era impensável comer este pão antes de ir para a praia. Porque a minha avó sabia que no instante em que chegávamos à praia, corríamos em direcção ao mar. E era aqui que entravam os papo-secos. Pão leve, sem risco de provocar congestões em crianças impacientes por saltar para dentro de água, era o pão ideal para o pequeno-almoço. Não valia a pena discutir. Não é que eu não gostasse de papo-secos, só que sempre foram uma segunda escolha em detrimento de uma primeira espectacular. Recentemente em Armação de Pêra desapareceu o pão de S. Marcos, pelo menos aquele que se vendia na praça pela mesma senhora há 40 anos. Não sei porquê. Se calhar morreu, a senhora que vendia o pão ou o senhor que o fazia. Se calhar morreu o senhor que fazia o tranporte, porque se há pão que era certamente levado numa única carrinha de caixa aberta pela serra algarvia, era o pão de S. Marcos. Não sei. Provavelmente ninguém morreu e alguém foi à falência. Enfim… Acabou-se o pão de S. Marcos e eu voltei-me outra vez para os papo-secos. Na varanda com o P. e o M. ainda na barriga, a comermos papo-secos frescos da praça e a olharmos o mar mesmo em frente, é difícil imaginar pão mais tenro e saboroso e memória de papo-seco mais doce.
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