20 julho 2013

Arrumei as cartas da Kiki num dossier dentro de micas. Entre aulas de sapateado, churrascos em casa de amigos e namorados distribuídos por diferentes cidades, os anos passavam e as cartas dela entravam na minha vida e iam enchendo-a de cor. As minhas cartas eram contemplativas, melancólicas e quase insuportavelmente descritivas. Partiam de Portugal, cruzavam o oceano e imagino-as a aterrarem primeiro nos olhos dela e logo dentro de um grande baú de recordações num mar confuso de cartas dos mais variados amigos e namorados. Não obstante, ela respondia entusiasmada, decorando as folhas de papel com alegres autocolantes e muitos pontos de exclamação. Quando éramos mais novas e antes de ela partir para o Brasil, costumava pegar em mim, pendurar-me à sua cintura pelas pernas e rodopiar comigo até cairmos. E, mais tarde, quando nos reencontrámos em Munique, foi buscar-me ao aeroporto vestida de Bavariana e passeou-me pelos Biergarten e pelos bares de Munique, falando sobre as suas aventuras e desaventuras como o fizera por carta durante tantos anos. Bebemos, falámos, dançámos e rimo-nos. Continuava com mais vinte centímetros do que eu, o cabelo liso e louro pelo meio das costas e aquela pronúncia, que em livros de estudo se torna tão enervante, mas que nela sempre foi irresistível.

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