30 junho 2011

«Milímetros»

«(sensações de coisas mínimas) Como o presente é antiquíssimo, porque tudo, quando existiu foi presente, eu tenho para as coisas, porque pertencem ao presente, carinhos de antiquário, e fúrias de coleccionador precedido para quem me tira os meus erros sobre as coisas com plausíveis, e até verdadeiras, explicações científicas e baseadas. As várias posições que uma borboleta que voa ocupa sucessivamente no espaço são aos meus olhos maravilhados várias coisas que ficam no espaço visivelmente. Mas só as sensações mínimas, e de coisas pequeníssimas, é que eu vivo intensamente. Será pelo meu amor ao fútil que isto me acontece. Pode ser que seja pelo meu escrúpulo no detalhe. Mas creio mais - não o sei, estas são as coisas que eu nunca analiso - que é porque o mínimo, por não ter absolutamente importância nenhuma social ou prática, tem, pela mera ausência disso, uma independência absoluta de associações sujas com a realidade. O mínimo sabe-me a irreal. O inútil é belo porque é menos real que o útil, que se continua e prolonga, ao passo que o maravilhoso fútil, o glorioso infinitesimal fica onde está, não passa de ser o que é, vive liberto e independente. O inútil e o fútil abrem na nossa vida real intervalos de estética humilde. Quanto não me provoca na alma de sonhos e amorosas delícias a mera existência insignificante dum alfinete pregado numa fita! Triste de quem não sabe a importância que isso tem! (...) Benditos sejam os instantes, e os milímetros, e as sombras das pequenas coisas, ainda mais humildes do que elas! Os milímetros - que impressão de assombro e ousadia que a sua existência lado a lado e muito aproximada numa fita métrica me causa. Às vezes sofro e gozo com estas coisas. Tenho um orgulho tosco nisso. Sou uma placa fotográfica prolixamente impressionável. Todos os detalhes se me gravam desproporcionadamente a haver um todo. Só me ocupa de mim. O mundo exterior é-me sempre evidentemente sensação. Nunca me esqueço de que sinto.
Bernardo Soares, Livro do Desassossego

28 junho 2011

Well, show me the way to next whiskey bar...

24 junho 2011

Top 5 de letras de músicas: 1) I've been thinking about you, so how can you sleep? (Thinking about you, Radiohead) 2) Be kind to me, or treat me mean, I'll make the most of it, I'm an extraordinary machine (Extraordinary Machine, Fiona Apple) 3) I feel your fists and I know it's out of love (Fistfull of Love, Antony and the Johnsons) 4) And you sip your Napoleon Brandy but you never get your lips wet, no you don't (Where Do You Go To (My Lovely)? Peter Sarstedt) 5) Nothing's changed, I still love you, only slightly less than I used to, my love (Stop me if you think you've heard this one before, The Smiths)
Top 3 das discussões dos meus pais: 1) Quem deixou cair a minha irmã ao chão quando a estavam a pesar na balança da cozinha ao quinto dia de vida? 2) De quem foi a culpa da minha mãe ter passado o 25 de Abril de 1974 em casa, enquanto o meu pai se empoleirava em cima de um tanque? 3) Quem acabou com o licor espectacular que um dia apareceu lá por casa?

19 junho 2011

14 junho 2011

O meu tio tem horror a aves, a não ser que lhe sejam servidas no prato já depenadas e assadas com batatinhas a murro. Por isso, quando foi preciso levar as perdizes do galinheiro para a charca e apesar de estas terem sido uma prenda que de um cliente e que obviamente ele aceitou sem hesitar, fui eu quem andou no galinheiro a agarrar os pássaros, estes a voarem contra as paredes, tantas as penas soltas no ar que eu mal via os bichos, quanto mais agarrá-los. Foi um triste espectáculo, mas lá consegui pôr as cinco perdizes no cesto e levá-las para o ar livre. No dia seguinte ao meu feito o meu tio foi à caça e o almoço foi perdiz.
O mundo visto por esta janela até nem fica mal, sobretudo à noite, só não dá é para tocar, como um postal ilustrado demasiado longe dos meus dedos. A ponte, a estação de comboios, o estuário do Tejo e lá ao fundo os moinhos, peças de um lego com o qual não se pode brincar. Estou deitada no chão de barriga para baixo, os livros por debaixo dos cotovelos e os olhos colados à janela enquanto penso nisto e eis que levo um pontapé no rabo e estamos de repente ao lado dos moinhos, que ainda agora estavam tão longe. Reparaste? Natalie Merchant, não Marchant, Merchant. Quero dizer-lhe como gosto destes bocadinhos, mas não consigo, da mesma forma que não consigo ir para a cama quando ele não está, horas a fio a olhar para uma televisão que podia nem lá estar. Amanhã mais um dia de estudo, mas sem ele, sem esses bocadinhos, sem os moinhos de repente enormes por cima de nós.

Recentemente vistos

Estômago, de Marcos Jorge (2007). Super cómico. Adorei.
Get low, de Aaron Schneider (2009). Dá ideia que no mundo do cinema se esquecem de vez em quando de Portugal, não é? Ou então é Portugal que se esquece de certos filmes. Bom, está agora no cinema, é levezinho mas engraçado e soube-me que nem ginjas no final de mais um dia de estudo.

08 junho 2011

E a do escuro, claro. É verdade, tenho medo do escuro. Não se passa mais nada, é estúpido: tenho medo do escuro. Para felicidade minha e da minha neurose, a minha casa nunca mergulha inteiramente na noite. O luar lá em cima entra pelas janelas a dentro e funciona como a luz de presença que cheirava a baunilha e que estava ao pé da minha cama, já que a minha irmã nunca teve medo do escuro, só eu. Quando pergunto à minha sobrinha se quer que eu deixe a luz da casa-de-banho acesa, ela responde-me que não, que teve uma ideia muito melhor, que podíamos deixar as luzes toooooodas acesas. Eu hesito mas acabo por consentir, ainda a pensar na conta da electricidade. Talvez quando ela crescer a luz do luar seja suficiente para afastar os monstros (we only come out at night...), mas para já deixamos as luzes tooooodas acesas, porque não? Podia não lhe fazer sempre a vontade, mas faço. Na natação, os miúdos todos a darem aos pés na horizontal e ela na vertical com uma bóia enfiada por debaixo de cada axila a dizer Tia, já viste, tão giro, parece mesmo que estou a andar!, esquece lá aprender a nadar. Agora os dois num quarto de hotel de luxo, o quarto mergulhado na noite e de novo aquele medo do escuro. Posso acender uma luz, pergunto. Mas porquê, o que é que se passa? Nada, é estúpido, tenho medo do escuro, só isso. Então ele vai e corre a cortina do quarto e a luz do luar entra pelo janela a dentro e cheira a baunilha.
A verdade é que eu concordo com o Jess. E por isso quando me perguntaram se tinha ciúmes ou se achava que podia ser "traída", nem percebi a pergunta. Porque pela primeira vez na vida não tenho dúvidas quanto ao amor de alguém por mim. E isso é o suficiente para apagar qualquer angústia da minha cabeça, menos a do exame.

02 junho 2011

Infidelidades

Jess: Marriages don't break up on account of infidelity. It's just a symptom that something else is wrong. Harry Burns: Oh really? Well, that "symptom" is fucking my wife.
When Harry Met Sally, Rob Reiner (1989)

Este vem com um dia de atraso!

Parabéns, querido amigo!