30 abril 2010

Atiraste contra o campo de refugiados. Eu sei que estás magoada, mas atiraste contra o campo de refugiados e não podes fazer isso. Por momentos fiquei baralhada. Não me lembrava de ter atirado contra o campo dos refugiados. Nem sequer conseguia discernir quem, no meio daquela discussão entre nós as duas, seriam os refugiados. Consigo ser muito cruel nas palavras que uso, mas naquela noite, sentia-me a única refugiada ali. Queria gritar-lhe: Já não és divertida. Nunca mais nos divertimos juntas. Nunca mais estivemos juntas, divertidas ou não. Tenho poucos amigos. Tu tens muitos. Tu fazes-me falta, eu não. Não é justo. Mas toda a argumentação pareceu-me infantil e fraca, por isso pedi só que saísse do carro. E foi assim que perdi a minha única melhor amiga.
Se ele tivesse reparado na ferida no joelho, tinha-lhe dito tudo e estaria neste momento na minha casa, sentada no puff, a beber chá e a olhar pela janela. Mas ele não reparou, ou se reparou não comentou, e por isso não lhe falei de ti, nem das rochas, nem dos beijos com sabor a margarita, nem da dor naquele abraço, na saudade do teu olhar ou no desejo pela tua pele. Em vez disso, pus-me a ver o Quarto do Filho, que tinha posto a gravar no outro dia. e chorei copiosamente. Posso mandar escrever num pacote de açúcar: Um dia vou ter uma família. Hoje é o dia. Ou então: Um dia vou amar alguém. Hoje é o dia. Mas serão sempre só pacotes de açúcar.