Eu adorava as histórias do meu avô. Adorava o rapaz reguila que ainda era, adorava a serenidade que transmitia e que certamente sentia. E adorava o seu sentido de humor, sempre a brincar de forma tão divertida e carinhosa com a Dona Maria, como ele gostava de chamar a minha avó, quando a queria provocar. Penso que não me engano quando digo que era um homem verdadeiramente feliz.
Contudo, a ligação que eu tinha era com a minha avó.
Quando conheci o meu avô, ele era quase completamente surdo e falava de forma pouco articulada. Eu tinha dificuldade em compreendê-lo, estava pouco à vontade para pedir que se repetisse e não havia a possibilidade de ser ouvida.
Sim, eu admirava o meu avô, mas tinha uma ligação emocional com a minha avó. Durante as férias de verão, era a minha avó que tratava de mim, tratava da logística do dia-a-dia e contava-me as novidades. A minha avó vivia no meu mundo. O meu avô, quando falava comigo, estava a reviver as aventuras que tinha tido em Silves, 80 anos antes.
O mundo da minha avó e o meu, durante aqueles dias de verão, era o mundo da praia, dos banhos, dos almoços, da congestão e da hora de deitar. Era ela que me dava um beijo de boa noite, enquanto dizia Com Deus me deito, com Deus me acho, aqui vai a Margarida pela cama abaixo.
A minha avó não era particularmente carinhosa, nem divertida, nem interessante. Era uma mulher do seu tempo. Não demonstrou interesse em prosseguir os estudos, não lia ou lia pouco, não gostava particularmente de crianças e seguia fielmente a telenovela. Sinto que, em criança e mesmo em adulta, nunca a conheci verdadeiramente. Mas tratava de mim e da minha irmã diligentemente durante as férias, vivíamos o dia-a-dia de forma tranquila e cozinhava o que acabariam por se tornar alguns dos meus pratos favoritos.
Foi por ela que, há uns anos, chorei de saudade, quando me apercebi que nunca mais iria comer carapaus assados como só ela os fazia, todos os dias durante um mês, apesar do cheiro e do trabalho, para mim e para a minha irmã, tão apaixonadas que nós as duas éramos por aquele mimo de verão.
Sentada na cadeira, atravessando o assento ligeiramente na diagonal, sorria de forma tímida e soltava uma risada seca e curta que eu adorava, enquanto alisava o avental com a mão. Nela também a menina que tinha sido, a menina que ainda era. A menina que eu não conhecia para lá daquela risada tímida.
Ser honesto nem sempre é óbvio. Saber ser honesto é difícil porque nós próprios nos conhecemos mal. Eu cresci a ouvir que o meu avô era uma pessoa admirável. E era-o, certamente. Mas eu gostava muito era da minha avó, de quem nunca falei aqui até hoje. Gostava muito dela e senti muito a sua falta quando morreu, tão longe que eu estava dela na altura e sinto, ainda hoje, a sua falta.